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05/09/2014

FOI A PUTA QUE PARIU


  Tabuí tava numa época de pasmaceira. Dinheiro ninguém tinha, inflação alta, salários minguados... Tudo parado. Até o comércio. Mesmo assim, havia uns teimosos. E foi nessa quadra, que apareceu por lá o Xenoberto, vendedor de fumo de rolo. Visitou os três ou quatro armazéns da cidade e resolveu caçar um local pra tomar um banho e dormir, pois que já era final de tarde. 
    A pensão – não tinha escolha – era a Só Sossego. 
   De manhãzinha, o Xenoberto aparece para o café da manhã e quase mata de susto o sô Zezé Vitrola, o dono da pensão. Este percebeu que seu hóspede estava com o corpo coberto de hematomas, tinha um olho inchado e roxo, e resolver perguntar a causa de tudo aquilo.
   - Ó, sô Vitrola, o negócio é que eu apanhei... E muito!
   - Mas o quecouve, seu Xenoberto? Apanhou por quê?
   - Aí é que tá, meu amigo... Apanhei sem saber o porquê...
   - Assim num vai pudecê, sô Xenoberto. Me ixplique as acontecência!...
   - Negócio é que resolvi dar um pulinho no cabaré, seu Vitrola... A dona    Zulmira, a proprietária, ficou muito sem graça, pois que não tinha nem uma mulher disponível pra mim. Mas me apresentou a Salomé, já nos últimos dias de gravidez, para ir pro quarto comigo pra gente bater um papo e trocar umas ideias sobre a vida. Aí comecei a indagar da moça sobre o passado, se foi casada, como entrou nessa vida, em que trabalhava e por aí afora. E não há de ver o senhor, sô Vitrola, que a Salomé, bem na minha frente, começou a ter as contrações do parto? E o senhor deve saber que puta é um bicho muito escandaloso. Gritava e gritava, ao ponto de me deixar meio surdo. Confesso, sô Vitrola, que fiquei foi muito sem graça. A turma, ao começar a ouvir os gritos, vinha correndo, querendo saber o motivo. E eu fui ficando, para o caso de uma necessidade da mulher ou da criança, até que aparecesse um socorro. Chegou num certo ponto, era gente na porta, pendurada na janela, dentro do quarto, todo mundo querendo ver a criança nascer. E todo mundo em silêncio respeitoso. As colegas da Salomé que tinham mais experiência, assim que iam liberando seus fregueses, começaram a chegar pra prestar socorro. E eu, que estava ali de gaiato, imaginei “vou ficar agora até o final pra ver o que acontece”... E fui ficando ali no meu cantinho. Queria saber o resultado daquela encrenca toda. Depois que nasceu a criança, findado todo o escândalo, Salomé ficou aliviada e eu também, vendo o sofrimento acabar. Aí, fui saindo de fininho, já que não precisavam de mim ali. Ao chegar ao corredor, vinha um soldado, com o cassetete na mão. E ele me perguntou:
   - O que aconteceu aí, rapaz?
   E eu respondi, na maior presteza:
   - Foi a puta que pariu!
   Aí ele me pegou de cassetete e me deixou nesta situação.
(Causo contado pelo amigo Divino Martins, de Itapuranga-GO)
©By Eurico de Andrade, in Tabuí e seus Causos https://www.facebook.com/causos e www.tabui.blogspot.com.br/

04/09/2014

GENTE FEIA É IGUAL A GENTE BONITA...


   - Sô guarda, cadê a girafa? 
   O sô guarda, quando olhou pra cara da mulher, quase teve um troço. Feia demais da conta. Olhos tortos, pernas cabeludas e uma mais curta do que a outra, peitos caindo pela barriga, bigode maior que o do guarda, pele do rosto parecendo maracujá de gaveta... Um verdadeiro desarranjo. 
   - Minha senhora, é que nesta época de frio, a girafa já foi recolhida. Ela vai dormir mais cedo. É animal de clima quente e não tem costume com o frio. Amanhã a senhora volta, tá?
   O guarda, além de falar bem, - característica de sua categoria - era entendido em biologia e zoologia
   - Sô guarda, a gente viemo lá de Tabuí pra mode meus fios conhecê ela, uai!
   Foi nesse momento que o guarda deixou de ver a feiura da mulher e olhou atentamente pros cinco anjinhos que estavam atrás dela, com olhos curiosos, amedrontados, procurando pela girafa. Cada um mais lindo que o outro. Duas meninas e três meninos sem nenhum defeito. Olhos verdes, moreninhos, bem vestidos, educados, uma escadinha...
   - Estes meninos são da senhora?
   - Sim, sô guarda!...
   - Mas foi a senhora mesma quem botou eles no mundo?
   - Craro, home!
   - Então, minha senhora... Peraí um tiquinho... Vou ter que chamar a girafa! Ela tem que ver isto.
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TARTARUGA DE ESTIMAÇÃO


   Em volta da pracinha de Tabuí tem um monte de casas bem arrumadinhas, muitas pintadinhas de novo, telhado bonito e algumas com jardins bem cuidados. Fruto dos novos ventos que correm pela cidade, civilizando-se cada vez mais. Pois foi numa dessas casas, a da dona Manoela, que aconteceu o incidente.
   O Jerebão ia passando, de madrugada, indo pra casa, depois de ter saído do Bar do Copo Sujo. Nem preciso dizer do estado do Jereba após sair de um bar. E foi em frente à casa da dona Manoela que ele teve a terrível dor de barriga. Consequência do chouriço derrancado que comera lá no boteco do Bigode, como tira gosto. Ajeitou-se atrás da moita de jasmim e derramou o que tinha nas entranhas.    Depois de quase meia hora de labuta, limpou-se com umas folhas, conseguiu levantar-se, ajeitou as calças e se mandou ligeirinho. Dormiu um sono rápido e, nem bem amanheceu, acordou e sentiu vontade de fumar. Pegou um cigarro e... Cadê o isqueiro? Isqueiro de estimação, dado por uma ex-namorada. Vou voltar lá onde deixei o barro, pensou ele. E foi, enquanto o dia apenas começava e a cidade ainda dormia.
   No jardim da casa da dona Manoela, bem atrás da moita de jasmim, achou o isqueiro e o chumaço de folhas com que se limpara. Mas estranhou uma coisa. Nenhum monte ali, sinal do serviço que fizera na madrugada. Tudo limpinho, limpinho. Pensou: não pode, alguma coisa tem que tá errada. Enquanto estava de quatro, ainda examinando o terreno para entender o acontecido, ouve alguém limpar a garganta atrás dele. Vira-se e quem ele vê?
   - Dona Manoela!... Tudo bem ca sinhora?
   - Então foi o senhor o porco sem-vergonha que cagou em cima da minha tartaruga, né?
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CAIPIRA NA CIDADE GRANDE


   O sonho do cidadão tabuiense é conhecer Belo Horizonte. Cada um sente que até o seu status muda dentro da sociedade quando fala que já foi à capital. Foi por isso que o Zé Tranquilim, mesmo sem conhecer Tabuí direito, vendeu umas cabeças de gado e se mandou pra Belzonte.
   Aquele monte de prédio caquele tantão de carros e o povão no meio da rua, fez o Tranquilim perder a tranquilidade. Ficou foi tonto. Aí, numa hora em que sentiu necessidade de atravessar a Afonso Pena, teve que chamar o guarda. Olhando pro Zé, com aquela cara de mocorongo, o guarda não teve piedade.
   - Atravesso o senhor... Mas custa trinta mangos... Topa?
   O Zé Tranquilim achou aquele trem danado de esquisito e não topou. 
   - Ah... Coá!... Diacho de trem caro, sô! 
   Ficou ali pensativo e pondo sentido no movimento do guarda apitando pra cá e pra lá para botar ordem na carraiada e no povo maluco. Foi nesse momento de confabulamento que parou ao seu lado uma moça com uma camisa muito decotada e colorida, uns colares e uma sainha chitada e curta. Na mão, uma bolsinha piquititita e no rosto um monte de pintura, além de batão nos beiço... O Zé até que achou ela ajeitada, mas, se fosse dele, não vestiria daquele jeito não... Aí viu que a moça ia atravessar a rua. Ela viu também a cara de mocorongo dele e já começou a pensar maldades. Quandefé ela olhou pra ele, deu uma piscadinha e convidou:
   - Vamo?
   - Quanto é, dona moça?
   - Só cobro cinquentinha... Tá bão procê?
   - Virgomaria! Que trem caro! Cuesse preço aí minha preferença é í com o guarda! 
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OS SERESTEIROS DA RUA


   Serenata todo mundo canta, todo mundo toca. Mas nunca quinem Garrolê e Cotó. Nomes estranhos, mas todo mundo sabia causdiquê. Cotó não tinha a mão esquerda – cortada pela maria fumaça em dia de esbórnia, quando ele dormia em cima da linha do trem. Mas cantava feito um sabiá, assim quando apaixonado. Garrolê, o tocador de violão, era um filósofo devorador de livros. Foi por isto que um dia passou mal. A mãe contava que ele a desobedeceu, depois de ter comido cinco pratadas de feijoada e foi ler um livrinho.
  - Aí garrolê o livro caqués letrinha miudinha e passô mar. Dimais da conta!..
   E “garrou a ler” virou Garrolê. Substantivo próprio.
Pois Garrolê e Cotó tavam numa madrugada fria soltando o verbo, bem ali no começo da subida da Rua do Tira Prosa. O primeiro tocava seu violão enquanto o outro, por ser maneta, batia o pandeiro na perna. E os dois cantavam acordes dissonantes. Cada um querendo mais agradar à princesa que dormia a sono solto na sua caminha virginal, sem nem imaginar que era homenageada pelos dois bebuns. Cantaram tanto que até roucos ficaram. E o efeito da canjebrina, supitando as mentes. O Cotó, que tinha também tomado umas três ou quatro cervejas, resolveu que tinha que tirar água do joelho, ali na rua mesmo. Mas tinha se esquecido de que comprara meio quilo de linguiça pro lanche da madrugada. Esquecera também que o bolso tava furado. Naquela sofreguidão de vontade de urinar, não deu outra. Abriu a calça e pegou a coisa errada. Urinou tudo o que tinha direito na roupa e, na hora de dar a clássica balangada, a linguiça quebrou em alguns pedaços que caíram por terra.
   O desespero foi total. Cotó, que cantara tanto pra amada, reverteu o cantar e começou foi a gritar, dando o maior escândalo na rua escura, pensando que tava cotó outra vez.
  - Gente, perdi meu bilau!... Buá!... O meu santo bilau! Buá!... Oquecofaço agora, meu Deus? Bem que minha santa mãe dizia quiessa vida de pingaiada ainda ia acabá em disgraça! Ô meu Deus!...
(Este causo foi escrito com base em relato enviado pelo amigo Joaquim da Silva Júnior, de Carmo do Rio Claro-MG).
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NA IDADE DO RECOLHIMENTO


   - Rapaz, entrei numa enrascada danada!... Todo tanto quiocê pensá, é mais maió ainda...
   - Enrascada? O que aconteceu cocê, home de Deus? Ocê passô mais de um mês sumido!
   Isto era o papo do João Manduca com o Chico Cobra-Preta. O primeiro com 75 e o segundo com 89 anos no costado, bem num banquinho da Praça Raul Torres, lá no Bambuí. 
   - A gente se encontrava aqui quase toda tardezinha e niquiocê sumiu, inté pensei que tivesse morrido.
   - Armaria! Vire essa boca pra lá, trem! O negóço, meu amigo, é que eu tava preso. Cê cunhece a Chica Maracajá, aquela mocinha lá de Tabuí, que trabaia ali no posto de gasolina, aquele da entrada da cidade? Aquela que fica fazeno carinho nos meus cabelo causdiquê é tudo branquinho?
   - Sim, sô!... Sei quem é!
   - Pois num há de vê, meu amigo, que falei pra Chiquinha quieu tinha otros cabelins branquins? E que aí ela me acusou de estupro?
   - Afff! Estupro? Ocê? Com 89 no costado? Que trem isquisito, home de Deus!...
   - Cumpade cê num querdita que fiquei foi orguioso do trem? Achei foi bão demais da conta, sô! Tão bão que saquecofiz? Nem rumei devogado e me declarei curpado!...
   - Curpado, sô? Querdito não... Ah, meu Deus!
   - Isso, meu amigo! Mas o juiz num entendeu o meu orguio e me condenô a trinta dia de xilindró... Por farso testemunho!... Juiz fedaputento, sô!...
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CASAMENTO DURADOURO


   O Mané Janta casou na maior simplicidade lá na igrejinha da Perdição. Botou a noiva na garupa da mula e foram, os três, estrada afora, em direção à fazendinha do pai dele, aonde iriam morar. Se o Mané não falava nada, a noivinha nada falava. Assustada com tanta novidade e preocupada com o que viria. Mané Janta, o pai e os irmãos não eram muito bem afamados na região não. Acostumados a não levar desaforos pra casa, já andaram aprontando algumas arruaças na região.
   De forma que iam, os dois, na mulinha, até que esta deu um tropeção. O Janta apenas falou bem alto:
   - UMA!...
   E continuaram em marcha lenta. De repente, outro tropeção da mula.
   - DUAS!... – falou de novo o noivo.
   Já chegando ao mata-burro da fazenda, a mula se distrai e tropeça num barranco alto. 
   - TRÊIS, dona mula! – Gritou o Mané Janta, nervoso. Parou, desceu a esposa da garupa, tirou um revólver que ficava sob o arreio, chegou o cano bem na cabeça da mula e puxou o gatilho. Matou a bichinha.
   Aquilo pra noiva foi um Deus nos acuda. Não gostou nadica de nada do acontecido e resolveu protestar.
   - Mas qui mardade, sô! Ocê foi muito burro de fazê isso. Seu estúpio... Matô a bichinha mode coisa à toa! Pudia tê feito isso coela não...
   Mané Janta nem deixou a moça continuar. Apenas limpou a garganta pra fala ficar mais clara e disse, bem alto, enquanto guardava o revolver, desta vez na cintura:
   - UMA!...
   Desse dia em diante, nunca mais houve discussão entre os dois.
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21/08/2014

OU CASA OU COMPRA UMA VIOLA?

   O velho Argemiro aposentara da vida. Não queria nada com nada, a não ser ficar à sombra da jaqueira ao lado de sua casa, fumando e fabricando, pra consumo próprio e de alguns amigos, os seus pitinhos de palha de milho e fumo de rolo picado. Enquanto isso apreciava o movimento da Rua do Comércio, a mais movimentada de Tabuí, vendo a passagem de uma ou outra pessoa interessante. Só de vez em quando chegava alguém pra uma prosa.
   Deu num dia em que ia passando, como quem não quer nada, o Bené da Zulmira. Caboclo ajeitado, trabalhador e querido por todos da cidade. E chegou-se para uma prosa.
   - Cumé que vai, sô Gimiro?
   - Remano, fio... Remano! Tem dia que ando perrengue... Tem dia que tô bão... E vamo levano a vida...
   - Sê Gimiro, tô andano meio preocupado nos últimos tempo, sô!
   - Quê qui foi, fio?
   - Tô numa durda danada... Num sei se caso... O que o sinhô acha?
Argemiro entendeu a seriedade da colocação do moço. Mas ficou olhando bem distante, lá pra baixo na rua, parecendo que nem tinha ouvido a pergunta. Depois de um bom tempo, olhando meio de banda pro Bené, responde:
   - Ó, fio!... Tô aqui pitano meu pitim, mas tô pono sentido... E sá quê quiopensei? Siguinte, fio!... Andano por esse mundo aí em roda, discubri que casamento é quinem comprá fumo...
   Silêncio geral. Enquanto o Bené esperava a continuação da resposta, o velho Argemiro reacendeu o toquinho do pito de palha, coçou a barbinha rala, deu uma cuspidinha pro lado, olhou pra rua e continuou:
   - É sim, fio! Casá é o memo que comprá fumo... Desses fumo de rolo aqui, ó... Ocê vai e iscói o que acha mais mió e de acordo com o seu bolso, mas tem que comprá o rolo inteiro. E isso vale pros home e pras muié, uai... A primeira vorta do trem - de mais o meno um metro - ocê acha bão demais da conta, sô!... Mas o resto, meu fio... Ah, o resto!... Os quinze metro seguinte ocê só pita mode num perdê o investimento... né não?

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CURSO PRA MEMÓRIA FRACA



   Em Tabuí havia dois casais que todos os domingos revezavam-se almoçando na casa um do outro. Pra mais de vinte e cinco anos. Na maioria das vezes, um churrasquinho regado a uma cervejinha era o prato que mais aparecia nos encontros. Mas com o passar dos tempos, idade avançando, o Eufrásio chegou à conclusão de que as coisas estavam ficando diferentes. Aí disse pro seu compadre:
   - Num há de vê, cumpade Nicota, que fui no médico por causa da memória?
   - Ih, é? Que coisa, hein, sô?...
   - E o home me receitô um curso pra miorá a dita cuja...
   - Uai, cumpade Frazim, tamém tô picisano desse troço!... Onquié o trem?
   - Ah, sô!... É... Iscuita, cumé memo, cumpá Nicota, o nome da primeira muié, aquela lá da Bíblia?
   - Uai, mó quié a Eva... Né não, sô?
   - É memo, cumpade!... 
   Aí o velho Frazim virou pra sua mulher e perguntou:
   - Ô Eva, onde memo é o curso que tão dano pra memória?
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O TRIPLO ENGANO


   

   Tavam lá, em plena praça de Tabuí, o Cirino e o Pichula. Já que não tinham o que fazer, apreciavam o movimento de uma ou outra bicicleta, de dois ou três transeuntes, e de uma moçoila por hora até que passa um mancebo estranho, com uma perna da calça amarrada acima da botina, manquitolando. Apressado, desconfiado, olhando pros lados, como quem não quer ser visto... E o Cirino e o Pichula, como sempre, afiando a língua.

   - Acho que aquelali caiu da égua, Cirino. Ô de argum boi... Óia como ele tá mancano... Ispia pocê vê!...
   O Cirino, como sempre, trolado, concordou descombinando.
   - É mezz, sô! Tá inté de dá dó. Mas carculo caquilo é paralisia... Mó quele tá cuma perna mais fina que a otra...
   - Paralisia? Rummm! Borá priguntá prele?
   Foram. Cirino quem fez a pergunta:
   - Causdiquê quiocê manca? Ieu falei pro meu amigo Pichula quiera paralisia e ele – esse daqui, ó - acha quiocê caiu da égua ô dum boi. Cê pode isclarecê pra nóis?
   O manqueba, parado que foi bem no meio da praça, não teve escapatória. Teve que dar o seu veredito:
   - Ocêis tão inganado e eu tamém singanei. Pensei que era só um punzinho e tô todo cagado...
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SURDA POR CONVENIÊNCIA


   Dona Lulu tinha uma empregada. Mais surda do que a porta da cozinha. Segundo as más línguas a surdez era proposital. Só quando ela, a Judite, queria. Dona Lulu, da rua, um dia teve que telefonar pra casa.
   - Judite, sou eu...
   - Dona Lulu num táqui não!...
   - Mas, Judite, sou eu, a Lulu!
   - Dona Lulu num táqui, já falei!
   - Judite, já disse que sou eu, a Lulu!
   - Ah, bão!... É a Duminga, né?
   - Que Domingas o quê, muié! É a Lulu!... Ô droga!
   - Pois é, dona Duminga, a Lulu saiu! Foi batê perna por aí qui é o quiela sabe fazê!...
   - Judite, sua filha da mãe! Além de não ouvir, ainda inventa, sua égua!...
   - Ó, dona Duminga, ela saiu cedo pra mode batê perna e sei lá fazê mais o quê... Inté agora na rua! Pode isso, sá?
   - Ô, Judite, cê quer saber de uma coisa? Vai catar coquinho, vai!...
(Causo contado por L. Nunes, de Goiânia-GO)

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ESTAVAM OS JACARÉS EM JEJUM?


   Esta aconteceu em Belo Horizonte, num bairro cheio de lindas chácaras e de casarões bonitos. O dono da mansão, um ricaço que gostava de se mostrar e de contar vantagens, quando estava rodeado por quase todos os bajuladores que vieram pra festa, já tarde da noite, prometia:
   - Nesta piscina coloquei 52 jacarés do papo amarelo. Estão todos há dias sem comer. Dou a minha mansão pra quem atravessar a piscina a nado. São apenas 30 metros de comprimento.
   Os convidados olharam um pro outro, torceram o nariz e ninguém se animou. Nem o funcionário que fazia a limpeza dos jardins da mansão e que naquela noite estava ganhando um extra do patrão. O tabuiense Zaqueu até que ficou tentado, mas quando viu a bocarra do jacaré pensou melhor e ficou no escurinho, à moita da bananeira de jardim, aguardando os acontecimentos.

   - Pois então, dou minha mansão e mais o meu jato particular pra quem atravessar minha piscina a nado agora...
   Nada. Ninguém se animava à empreitada. Cada um rindo amarelo e com falta de coragem. Aí veio outra proposta, mais tentadora ainda:
   - Ó, minha mansão com escritura e tudo, meu jatinho e mais duzentos mil reais em barras de ouro... Quem topa?
   De repente, um barulhão dentro da piscina. Todos olham curiosos e o dono reconhece o Zaqueu, magrilim, nadando feito um louco, entre os jacarés. Emocionado, o dono da festa, ao dar a mão pro Zaqueu sair da piscina, diz:
   - Que homem corajoso é você! Parabéns! Acabou de ganhar os prêmios! Vou entregar-lhe tudo o que prometi agora mesmo...
   - Eu não quero porra de prêmio ninhum!
   - Não quer? Mas o que você pretende então?
   - Pretendo nadica de nada. Só quero sabê quem foi o fedaputa que me impurrou denda piscina!...
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AMOR, SUBLIME AMOR


   Lá em Belzonte estavam passando o filme “Amor, Sublime Amor”. O Vanginaldo gostou tanto e ficou tão emocionado com a fita, que assistiu a várias sessões no final de semana, chegando ao ponto de decorar quase todas as cenas. A cada sessão, o moço chorava baldes.

   Depois de quase um ano, o filme chegou a Bambuí – isto há muito tempo, quando por lá ainda havia cinema - e o Vanginaldo fez tanto escarcéu, tanta propaganda que uma turma de Tabuí resolveu ir à cidade vizinha pra assistir “Amor, Sublime Amor” e lá vai o Vanginaldo ver o filme pela décima sétima vez. Como eu disse, ele já conhecia de cor cada cena. Deu naquela em que a mocinha era conduzida para a beira do abismo onde seria jogada pelos bandidos. O Vanginaldo resolveu fazer uma brincadeira com a plateia conterrânea e não conterrânea. Na hora de maior suspense, com todo mundo se derretendo em lágrimas, quando a moça seria jogada abismo abaixo, ele grita bem alto o nome dela:
   - Alzira!....
   É o momento em que a atriz se vira, ante a morte iminente, e encara a câmara, deixando cair uma lágrima do olho direito. Mal cai a lágrima e o povo entendendo nada, ouve-se novamente a voz do Vanginaldo:
   - Não, Alzira, é nada não... Pode í, sá! Pode jogá ela, viu cambada de bandido fedaputa?
   Toda a dramaticidade da cena acabou. As gargalhadas ecoaram salão afora enquanto Vanginaldo saía de fininho, antes que as luzes fossem acesas.
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A LEITOINHA DO FLORÊNCIO


   Vocês não sabem, mas foi lá em Tabuí que aconteceu esta história, tão conhecida por aí a fora. Deu numa quadra em que juiz só ia lá de ano em ano, para julgar os casos mais graves, fazendo o salão da prefeitura defórum. O caso do Florêncio tava demorando demais pra ser resolvido, vários anos engastaiado na mesa do juiz lá do Bambuí e nada de ter solução. Aí o Florêncio resolveu aconselhar-se com o seu advogado:
   - Óia, dotozim, acho que vô mandá pro juiz uma leitoinha mode fazê um agrado. Oquecocêacha?
   O advogado quase teve um troço. Desaconselhou na hora a ideia que considerou de jerico. Informou que o juiz era homem muito carrasco e severo e que não gostava desse tipo de coisa.
   - Mas quem sabe ele comeno a leitoinha vai lembrá do meu caso com mais carinho, né não?
   - Se você fizer isso, Florêncio, pode contar a sua como causa perdida – concluiu o advogado.
   Não demorou nem um mês era tempo do juiz fazer sua passada por Tabuí. O Florêncio foi chamado e o caso dele dado como resolvido, com a causa totalmente ganha. O advogado foi dar-lhe os parabéns e começou a contar umas vantagenzinhas, talvez pensando em ganhar uns trocados a mais em cima da inocência do cliente.
   - Que nada, dotô! Se num sesse ieu essa causa tava enrolada ainda. Num falei que uma leitoinha ajudava?
   - Não é possível, senhor Florêncio que o senhor mandou a leitoa pro juiz?
   - Craro que mandei, uai! Mas no nome do meu diversário, uai!... 
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POLÍCIA EFICIENTE


   Os bandidos fizeram um baita assalto a uma joalheria ali no Bambuí e, ao fugirem correndo pelo meio da praça, um deles tromba com o Cirino, cidadão de Tabuí, que tinha ido à cidade vizinha ver médico para pedir ajuda a fim de acabar com a bebedeira. Só que a trombada desmantelou o Cirino no chão. A ele a polícia conseguiu pegar e, nas suas alentadas pesquisas científicas, concluíram os policiais que Cirino era um dos bandidos abandonado pelos companheiros. 
   Já na delegacia, quando o moço se recuperava do tombo, todo arranhado, é sujeito a um interrogatório.
   - Me diz aí, onde que tão as joia que ocês roubaro?
   Cirino entendeu foi nada do que perguntaram. Não tinha a mínima ideia de onde tiraram aquele assunto.
   Aí, a polícia, com o tato e educação que lhe são peculiares, levou o moço prum arremedo de banheiro e encheu um barril d’água onde tafuiou a cabeça do moço.
   - Fala aí, ô nanico! Ondé que tão as joia?
  O Cirino, sufocado por tanta água nas entranhas da cabeça, com dificuldade consegue responder:
  - Sei de nada não, sô puliça! É mais mio cêis contratá um merguiadô... Num cunsigui vê nadica de nada lá embaixo, nem uma joia, no fundo do barrile... 
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É VELHINHO TODO FÓSSIL?



   O Divino Pai Eterno da Silva saiu de Tabuí disposto a arranjar emprego no Rio de Janeiro. Queria trabalhar nas novelas para poder beijar aquelas moças bonitas. Mas, enquanto o emprego sonhado não aparecia e como eletinha que comer, beber, vestir e dormir, arrumou outro emprego. Foi ser vigia do museu natural, com um monte de esqueletos de tudo quanto é bicho que há e alguns, segundo os estudiosos, que nem existem mais. E, como vigilante, Divino ficava zanzando pelos corredores e salas daquele casarão que ele julgava meio assombrado. Foi aí que apareceu um espicula. 
   - Seu moço, o senhor sabe a idade deste fóssil de dinossauro? 
   Divino fez umas continhas e deu seu veredito:
   - Ó, moço, ele tem quinze milhão, dois ano, dez mêis e quinze dia....
  - Poxa! Que precisão a sua, meu amigo! Como você chegou a este cálculo tão exato?
   - Ó, o negóseguin... Niquieu cumecei a trabaiá aqui, o chefão me falou que o fóssi tinha quinze milhão de ano. E hoje compreta dois anos, dez mês e quinze dia cotô aqui... 
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11/07/2014

ESMOLA QUANDO É DEMAIS...


    Bem naquele dia é que Bentinho passou a admirar o amigo Alfredão. Foram à casa deste último jogar conversa fora, tomar um suco e comer um cubu, mais conhecido como bolo de fubá. Bentinho ficou encantado de ver como o Alfredão tratava sua mulher. Parecia uma rainha. Era meu benzinho pra cá, meu benzinho pra lá, que comida gostosa, vou servir-lhe uma caipirinha, meu bem, meu amor, cadê meu beijo, vou dar-lhe um abraço... E por aí a fora.
    - Ó, Bentinho, não foi sempre assim não, sô! Mas, niqui mudei meu tratamento com ela, nosso casamento miorô cem por cento, rapaiz!
    Bentinho não perdeu tempo. Queria ver se aquilo funcionava na sua casa, com a Cremilda. Ao chegar, tascou-lhe um abraço, deu-lhe um beijo, disse que a amava e queria saber se ela estava feliz. Mas não deu outra. Cremilda começou foi a chorar. Choro sentido, doído mesmo.
    - O que foi, Cremildinha? Quecaconteceu, sá?
    - Óia, Bentinho, o meu dia foi uma droga. Cedo o Júnior fez um corte na perna quando foi pegá um frango prassá pro armoço. Inhantes, lavei uma mala grande de roupa, tudim na mão, causdiquê a máquina quebrô. Niqui eu tava fazeno o armoço, tive que desligá tudo, menos o frango qui tava assano, e saí correno mode í na venda comprá sal. E, quando vortei, vi que o gás tinha acabado. Saí de novo, carregano o butijão no carrinho de mão. E agora, pra mode completá, ocê chega em casa bêbado!... Ah, não, Bentinho!... 
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TÁ VENDO O QUE DÁ FALAR INGLÊS?


    Conto causos do Camisola e os leitores podem pensar que é um homem que não vale um tostão furado. Não é bem assim. Camisola é homem que tem cultura. Não por ter ido à escola por muito tempo. É por ser um homem lido. Ele não trabalha. Sua ocupação é beber cachaça e ler. Lê de tudo, desde bulas de remédio, até jornais e livros que consegue emprestados com a diretora do grupo escolar de Tabuí.
    Em dia de muita inspiração, Camisola resolveu filosofar:
    - Ô, Bigode! Cê sabia que a chinesada come pouca gordura? É por isso quês quase num sofre do coração... Têm menos ataque cardíaco do que ozamericano e os ingrêis... Sabia, Bigode?
    - Sei disso não, ô Camisola!
   - Pois é, Bigode... E os francêis? Ô povim pra cumê gordura, sô! Mas tamém ês têm menos ataque do coração do que a ingrezada e ozamericano... 
    - E o quico, Camisola?
    - E tem mais ainda, Bigode! Cê sabia que a italianada vive se afogando no vinho?... Bebe, bebe e bebe até num guentá mais... E tamém ês têm menos ataque do coração que ozamericano e os ingrês, sô!
    - Mas causdiquê cê tá me contano essa potocada toda, sô?
    - Ó, Bigode! Cabei de discubri. A gente pode bebê e cumê o que quisé, home de Deus... E me dá mais uma aí pra mode comemorá minha discuberta, sô!... O que faz matá mais cedo é falá ingrês... Taí a grande discuberta, Bigode! Por isso, é que só falo a língua pátria... 
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NEM TUDO DEVE SER FALADO II


    O Abistemar saiu com os amigos e foi pra gandaia, começando pelo buteco, o Copo Sujo, bem ali num cantinho da Rua do Assobio que corre de pareio com a linha do trem. 
    Depois de entornar umas no bucho, a turma resolve que deveria ir prum lugar mais movimentado, a fim de ver as mocinhas da cidade e de alhures. Acanhado demais da conta, Abistemar nem sabia como começar uma conversa com uma moça que vira num cantinho do bar da rodoviária, no centro de Tabuí.
    - Quecofaço, gente? Quecofalo? Dasvêis ela é tamém da roça...
    - Carqué coisa, sô! Cê pofalá carqué coisa pa moça...
    Este o palpite do Horódoto, seu amigo do peito. Quando ele se dirige pronde ela tava, a moça sai de carreirinha. Abistemar bem viu o rumo que ela tomou, o do banheiro feminino. Ele apenas teve tempo de dizer “rummm” e voltou aos amigos que esperavam inquietos e curiosos:
    - Deusolive, gente! Oquecofalo prela niqui ela saí de lá?
    - Carqué coisa... A gente já falamo isso procê, sô! Pofalá carqué coisa...
    Depois de uns dez minutos de agonia do Abistemar, suando fedido e tremendo feito vara verde ao vento, a mocinha saiu, requebrante e saliente. Dá uma olhada pro moço que, de nervoso, quase invadia de fianco o banheiro das mulheres e sai apressada. Ele a acompanha e, já que poderia falar qualquer coisa – no dizer dos amigos - Abistemar resolveu falar o que ocupava seu pensamento no momento. Bateu no ombro dela, fazendo-a parar e tascou o seguinte cumprimento:
    - Tava dano uma cagadinha, hein?
(Causo contado pelo Divino Martins, de Itapuranga-GO)
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HOMEM BEIJANDO HOMEM?


   
    O Toizim Frescola era homem de muitas palavras em Tabuí. Tinha a palavra solta pra contar suas aventuras e muitas mentiras. Foi naquele dia que estavam ele e o Camisola sozinhos dentro do bar do Bigode, o Copo Sujo, q
uando entra uma mulher bonitona que senta à mesa dos dois. E puxa conversa:
    - Briguei com meu marido e quero afogar as mágoas na bebida...
    Ante tão pungente drama, o Frescola se entusiasmou e já foi pedindo pro Bigode servir uma dose da caninha Providência, a melhor da região. Enquanto a mulher bebia, o Camisola, todo tímido, foi se recolhendo prum cantinho e ficou o Frescola encompridando a conversa com a mulher.
    - Mas, sá, quem é o felizardo que é seu marido? Mó quiele num vê a beleza que tem em casa!...
    - Meu marido é o sargento Ribamar, ali do Bambuí.
    Nessa hora Frescola já arrepiou nas bases. Conhecia o sargento e a sua fama de durão e homem bravo. Mas continuou a conversa. Quando a mulher já estava na terceira dose da Providência e começava a falar coisinhas no ouvido do Frescola, o Camisola, que naquele dia estava enjoado de cachaça e, portanto, com a cuca mais ou menos no lugar, resolve acabar com a brincadeira. Chegou ao ouvido desocupado do Frescola e sussurrou:
    - Num óia agora não, Frescolete... Mas tá chegano ali um poliça de quase dois metro de artura e com cara de homem mau. É tá com um revorve e um filobé...
    O Frescola tremeu nas bases, amarelou e olhando com olhos de terror pro Camisola, implorou;
    - Camisola, pelamordedeus! Me dá um beijo na boca! Rapidim!... 
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