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11/07/2014

NEM TUDO DEVE SER FALADO II


    O Abistemar saiu com os amigos e foi pra gandaia, começando pelo buteco, o Copo Sujo, bem ali num cantinho da Rua do Assobio que corre de pareio com a linha do trem. 
    Depois de entornar umas no bucho, a turma resolve que deveria ir prum lugar mais movimentado, a fim de ver as mocinhas da cidade e de alhures. Acanhado demais da conta, Abistemar nem sabia como começar uma conversa com uma moça que vira num cantinho do bar da rodoviária, no centro de Tabuí.
    - Quecofaço, gente? Quecofalo? Dasvêis ela é tamém da roça...
    - Carqué coisa, sô! Cê pofalá carqué coisa pa moça...
    Este o palpite do Horódoto, seu amigo do peito. Quando ele se dirige pronde ela tava, a moça sai de carreirinha. Abistemar bem viu o rumo que ela tomou, o do banheiro feminino. Ele apenas teve tempo de dizer “rummm” e voltou aos amigos que esperavam inquietos e curiosos:
    - Deusolive, gente! Oquecofalo prela niqui ela saí de lá?
    - Carqué coisa... A gente já falamo isso procê, sô! Pofalá carqué coisa...
    Depois de uns dez minutos de agonia do Abistemar, suando fedido e tremendo feito vara verde ao vento, a mocinha saiu, requebrante e saliente. Dá uma olhada pro moço que, de nervoso, quase invadia de fianco o banheiro das mulheres e sai apressada. Ele a acompanha e, já que poderia falar qualquer coisa – no dizer dos amigos - Abistemar resolveu falar o que ocupava seu pensamento no momento. Bateu no ombro dela, fazendo-a parar e tascou o seguinte cumprimento:
    - Tava dano uma cagadinha, hein?
(Causo contado pelo Divino Martins, de Itapuranga-GO)
©By Eurico de Andrade, in Tabuí e seus Causoshttps://www.facebook.com/causos e http://tabui.blogspot.com.br/

30/06/2014

A FEIURA DÓI?

   
   Toinzim Guela, o menino feio demais da conta sobre o qual escrevi noutro dia, cresceu. Virou moço forte, nutrido e fornido, mas a feiura era o seu desarranjo. Tabuí em peso olhava pro moço e ficava desanimada de ver tanta feiura. Chegou a um ponto que o Toinzim nem mais saía de casa para não ficar sem graça ante tanto susto que passava nas pessoas quando o encontravam na rua.
   Mais aí, eis que surge uma boate no Tapiraí. Dia da inauguração os amigos conseguiram fazer com que Toinzim Guela fosse conferir a novidade. Chegou naquele antro barulhento, com música de extremo mau gosto e não achou jeito de e nem com quem dançar um tiquim. Achou foi um encosto numa parede bolorenta e, dali, ficou apreciando o movimento.
   Depois de bem umas duas horas vendo quem dançava com quem, etc e tals, chega uma menina e puxa assunto com o moço. Toizim ficou até emocionado.
   - Tô venocê tão quetim aqui... Cada vorta codô no salão vejo quiocê mó que tá triste, cabrunhado?...
   - É sá... O trem tá danado. E sabe causdiquê? É qui sô feio demais da conta...
   - Ah, não, sô! Bobage!... Ficassim não...
   - Não, moça, sô feio mezz... Tenho que conformá... Cê num há de vê que nem namorada eu arrumo pur causa dessa droga de feiura? Tem base um trem desse?
   A moça não sabia o que falar, já que a feiura dele tava na cara. Mas, com dó do moço, pensou em mostrar-lhe que havia pessoas em situação pior. 
   - Ó, moço! Ficasssim não pois quiocê não é tão feio assim. Aqui, ó, diz que feio mezz, que chega dói, é um tar de Toizim Guela, lá do Tabuí!..
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(Causo contado pelo amigo Antonio Israel de Oliveira, bambuiense que mora em Piumhi-MG)
©By Eurico de Andrade, in Tabuí e seus Causoshttps://www.facebook.com/causos e http://tabui.blogspot.com.br/

04/06/2014

NEM TUDO DEVE SER FALADO

     
     Baile no ranchão, assim num canto da praça central de Tabuí. Chega o cabra, com cara de gente da capital, bem apessoado, bom de fala e cheio de boa vontade de arrumar uma namorada. Para isso, cismou de dançar com as moças todinhas que havia no baile. Dançou, dançou e dançou e, quando pensou que havia dançado com todo mundo, viu uma senhorita escorada no pau da barraca. Pensou “com essa num dancei inda não”... Chegou-se a ela e fez o convite:
     - A senhorita poderia dançá comigo esse toque?
    - Não, moço, o sinhô me descurpe causdiquê eu num sei dançá. Quem dança é miirmã.
     - E cadê sua irmã?
     - Uai, ela foi no banheiro dá uma cagadinha, mas já vorta.
     O moço pensou “mas que trem isquisito esse? uma moça inté bonita falá uma coisa assim pra mim?...”. “Ela deve de tá co pensamento muito longe e nem atinô com o que falô... Deve ser boa de papo. Vou conversá coela mais”...
     - Mais, ô moça, ocê acha que sua irmã vai demorá muito?
     - Não, moço, vai demorá não... Ela já saiu daqui peidano... 
     O visitante resolveu deixar de arrumar namorada em Tabuí. 
(Causo contado pelo amigo Divino Martins, de Itapuranga-GO)
©By Eurico de Andrade, in Tabuí e seus Causos https://www.facebook.com/causos e http://tabui.blogspot.com.br/

23/01/2013

PAPO DE AMIGOS




Depois de muito tempo sem se encontrarem, o Manel e o Sansão trombam na esquina da Rua do Sossego com a Rua do Comércio, lá em Tabuí. Trombam é maneira de dizer, batem barriga com barriga, pois que o Sansão tava apressadinho e não deu tempo de parar quando viu o amigo. Papo vai, papo vem, entram pelos assuntos do sentimento. E o Manel indaga:
- Ô sô, e o casório, já saiu?
- Que casório, sô?
- Uai, o seu ca Girda, sô!
- Ihhhh! Girda? Já era, home de Deus!...
- Uai!... Causdiquê, sô? A danadinha é tão bunita!
- Ó, Mané, ocê ia querê casá com uma pessoa preguiçosa, lambacenta, enrolada e mintirosa?... Cê ia?
- Nem vê, sô! Curuz, Sansão!...
- Pois é, Mané!... Ela tamém não!...

26/10/2012

Onde foi parar a peteca da noiva?

   Um dia Bentão arranjou namorada. Gente de fora, pois que as da terra, se sérias fossem, dele fugiam. Não que fosse feio ou desarranjado. Não. Bentão até que era ajeitado, andava bem arrumado, trabalhava muito... Mas por que as moças de Tabuí não olhavam para ele com olhos de amor?
     - Bentão é invicioneiro – dizia o povo.
     E como o povo não inventa, só aumenta e quando o povo fala ou é, ou foi, ou será, o moço – dizia-se - era responsável por um monte de moças mal encaminhadas da cidade. Saiam um dia ou uma noite com ele, caiam na boca do povo, pois Bentão contava pra todo mundo muito mais do que não fez, mas disse que fez, do que o que fez. Aí passavam a ser olhadas com olhos tortos, as amigas se retraiam, as mães seguravam suas donzelas, apareciam conversas atravessadas e o diz-que-diz só aumentando. Por isso o cartaz de Bentão foi chegando a zero, com o moço ficando mais sujo que puleiro de pato. A ele, então, só sobravam as moças de fora, quando aparecia alguma na cidade e se engraçava pro seu lado. Foi quando surgiu a Manoela. Uma fortona, que não chegava a ser gorda, e compridona, bem maior que o Bentão. Loira, bela feição, bem vestida, moça pra lá de boa. Ia ser professora do grupo escolar. Gente fina e intelectual achou Bentão bonito e resolveu jogar um piscado pro lado dele, sem conhecer a fama do rapaz.
     À piscadela, bem captada, Bentão já soltou aos quatro ventos:
     - A professora tá apaixonada por mim e qué marcá encontro.
     Após a conversa do primeiro encontro, à noitinha, no domingo, em plena praça, no banco do “Vaca Profana – o açougue dos amigos”, Bentão ficou apaixonado pela professora. Aí emudeceu, sufocando aquela boca fofoqueira.
     - Minha boca é um túmbalo. Conto nada não, uai...
     Ninguém imaginava que a paixão, quando chegasse, poria mudo o moço.  Os amigos provocavam e nada. Até o dia em que Bentão apareceu de olho roxo e namoro terminado. A turma queria porque queria saber o motivo do quiprocó de qualquer jeito. Depois de insistência de vários dias, ele não agüentou e, sufocado, soltou o verbo.
     - Eu tava jogando peteca com a minha noiva, no dia em que nós foi com as professora do grupo escolar fazer piquenique na fazenda do prefeito...
     - Sim. E aí, Bentão?
     - Aí todo mundo resolveu jogá peteca tamém. Apareceu peteca de tudo quanto é cor. E entre uma petecada e outra, eu mais minha noiva era um amasso aqui, outro ali, um beijinho pra cá, outro pra lá, e o negócio só ficando danado de bão. Eu, doido pra mexer na documentação da minha noiva, mas com medo de avançar demais da conta, só falei bem, vamo enchê a barriga de bebê hoje? Ela ficou toda sem jeito e, com aquela força que Deus deu, tascou um tapa tão forte na peteca, que a coisa foi cair lá no meio das vacas do prefeito...
     - Marrapá, vai peidá n'água, vai! Até agora cê num falô do oio roxo, sô!
     - Aí, menino, põe sentido, a gente procuramo aqui, procuramo ali e a peteca sumiu. Isalou. Veio mais gente ajudá. Era peteca de estimação, a da Manoela. Daí a pouco, todo o corpo docente do grupo escolar tava atrás da peteca de pena roxa da Manoela.
     - A não, sô! Larga mão disso! Até agora cê tá enrolano a gente, home!
     - Não, moço! Pêra aí, uai! De repente, olho pro traseiro duma vaca, uma holandesa bem fortona, peitaria arrastando pelo chão, e quem eu vejo, presa entre o rabo da dita-cuja e sua perseguida? Isso mesmo, a petequinha da Manoela tava debaixo do rabo da vaca do prefeito, bem escondidinha e apertadinha. Aí é que deu merda. Foi azá demais da conta, sô! Eu só fiz perguntar, com toda inocência do mundo, enquanto segurava o rabo da vaca, levantano o danado, pra mode sortá a peteca da minha Manoela daquele sufoco:
     - Amô, essa aí é paricida com a sua, não é não?

09/09/2012

Aqui o buraco é mais embaixo


 Zeca da Luzia vivia pra baixo e pra cima medindo rua. Fugia do trabalho igual diabo da cruz. Andava de cacete às costas, procurando quem inventou o serviço, para matá-lo. Vivia do dinheirinho que a mãe ganhava lavando roupa pra quase todo mundo remediado de Tabuí. Zeca usava umas roupinhas surradas, nunca de acordo com a moda. Sempre na rabeira. Só os cabelos é que estavam dentro dos conformes pr'aquelas épocas. Grandes. Um verdadeiro mafuá, onde até piolho pensava duas vezes antes de neles fixar residência. Não podia se dar ao luxo de cortá-los uma vez por ano. Sapatos pés do Zeca nunca tinham tido prazer de encher de chulé. O máximo que conseguiram foi preencher a chinelinha havaiana já com a sola fina de tanto uso. Dentes do Zeca da Luzia eram uma cacaria de dar dó. Cada um, uma cratera cheia de dor. Raspas de casca de goiabeira é que davam um certo alívio. Banho? Só quando chovia. E a seca na região tava braba. Por isso e muito mais, o cheirinho do rapaz era tão suave quanto cheiro de gambá com depressão. O moço era feio... Mais feio que vira-lata quando briga na carvoeira.
Zeca não era dono só dessas qualidades não. Tinha mais. Era cantador. Cantador dos bons. Abraçado a um violão, dedilhando as cordas de aço e soltando aquela voz aveludada, já fez muita moça de Tabuí suspirar profundo em solitárias noites de serenata. E o rapaz já emprestara, dentro do confabulamento, sua voz afinadíssima pra muito garanhão das redondezas. Daqueles que queriam agradar à presa cantando, embaixo de uma janela, altas horas da madrugada, sem ninguém ver. Zeca da Luzia ligava muito pra esses detalhes não. Por isso era dono de tantos segredos e sabedor de tantas paixões proibidas. Bastava-lhe a pinguinha para esquentar o peito e molhar a goela. Tinha nada no coração que o incomodasse e seu pensamento era mais leve que vôo de tiziu. Zeca não conhecia mulher. Nem a Zildete que satisfazia todos os homens sem mulher - e até com mulher - da cidade. Sua maior preocupação, em se tratando desses assuntos, era com as mãos que de repente poderiam ficar cabeludas.
Mas um dia Zeca da Luzia mudou. O amor bateu naquele peito bruto. Ele que nunca amara, que não tivera ainda olhos de mulher presos nele, começou a sentir negócio estranho no coração. Um embondo gostoso tomando conta, chegando sem avisar... E quando Zeca viu, estava preso por laços de paixão.. Não era amor qualquer não. Por sirigaita de canto de rua não. Era amor por gente fina. Moça prendada. Cheia de grana e de bois. Filha de fazendeiro. Donzela se encantara com a voz do moço, com seus olhos carentes e a conversa fácil. Encantamento mútuo.
A paixão foi tanta que Zeca, contra todos os seus princípios, arrumou emprego de cidade. Dos mais finos de Tabuí: auxiliar de contabilidade. Cortou cabelo à escovinha, rapou barbicha e aparou as unhas. Até botinas rangedeiras, compradas no fiado, passaram a enfeitar seus pés embora sobrasse muito vago nas pontas... Nem de chuva precisava mais para tomar banho. Começou a ter cheiro de gente. Roupinha mais ajeitada. Chegou a sugerir à mãe juntar umas economiazinhas para colocar uma dentadura naquela sua boca dolorida.
- Zeca, só topo namoro se ocê falá com o pai! E ocê só faz barro na porta lá de casa se ele dé consentimento!
Aí Zeca resolveu mostrar que era rapaz sério e cheio de boas intenções. Tinha que agradar à moça de qualquer jeito, fazer bonito pro pai dela e conquistar a sogra. Tudo de uma vez. Em Deus ajudando o casamento tava no papo e a vidinha com futuro ajeitado. No domingo levantou cedo e, cheio de coragem, vestiu a roupinha de ver Deus: calça rancheira, camisa volta-ao-mundo... De botinas foi à fazenda conhecer sua futura propriedade e pedir a danada da autorização para o namoro. Ligeirinho, que nem peba pisando em areia quente. Mas quanto mais perto da fazenda, mais a coragem ia minguando.
Chegou mais suado que tampa de chaleira e a primeira pessoa que encontrou foi a futura sogra. Gorda igual melancia bem adubada. Velha. E calada, mais calada que sino em semana santa. Mas quando Zeca viu o candidato a sogro aí deu vontade de achar um buraco para tafuiar e nunca mais aparecer. Velho sistemático, com cara de quem amanheceu espirrando canivete, encarou o rapaz de alto a baixo, desde a ponta do cabelo desobediente até as botinas com o bico empinado, passando pelos caquinhos de dentes enfeitados de meleca, o bigodinho meio torto, a camisa mal passada e o cinto de couro cru furado a ferro quente. Rapaz tava mais perdido e sério que cachorro vira-lata dentro de canoa. Mais magro que gato de tapera. Tudo o velho viu num relance enquanto enrolava o bigodão com o polegar e o indicador da mão esquerda. Mãozona direita de vez em quando ajeitava o cabo dum trabuco meio escondido entre as banhas da cintura. Ninguém por perto. Amada lá fora, no alpendre, esperando com ansiedade as boas notícias.
- Qual é sua graça rapaz? O que ocê faz rapaz?
Foi o que primeiro quis saber de supetão o dono daquela propriedade que era o sonho do Zeca da Luzia. Este, sem muito desconfiômetro, até meio animado com o tom das perguntas, satisfeito por ter sido o velho a começar a conversa, recobra um pouco as forças perdidas e responde com certo orgulho no peito, abrindo-se que nem livro de missa:
- Eu sou o Zeca, uai!... Aliás, José Cristóvão!... Antes eu só vivia de zonzeira, agora tô num escritório. O escritório de contabilidade!... Lá em Tabuí!
- E a bufunfa? Enche o bolso? É salário compensatório? Quanto ganha?
- Óia, sem necessitá carecê de muita sinceridade, num é pra mim gambá não, mas ganho o salário mínimo sim sinhô!...
- Puta que pariu! Salário mínimo? Salário de fome? Se manda, pé rapado! Tem autorização minha não! Nem quando galinha ciscá pra frente! Essa merreca não dá nem pra comprar o papel higiênico que ela usa!
O velho estava nervoso demais, até cuspindo na carinha vermelha do rapaz. Zeca saiu fungando igual pinto com gogo, cego de raiva, chutando até a sombra. Humilhado. Ao passar pelo alpendre, vê a moça esperando ansiosa, com olhos perguntativos, pela resposta do consentimento. Olha-a com desdém, levanta uma sobrancelha, faz covinha no rosto e tasca o maior xingamento que lhe foi possível no momento:
- Sua cagona!!!...

14/10/2011

Procurando a alma gêmea

Aristeu estava separado da esposa. Desquite já em fase final. Casara jovem e não pôde tirar muito proveito da vida de solteiro. Agora, já quarentão, começava a curtir novamente a solteirice, ao mesmo tempo em que pensava em recompor a vida ao lado de outra companheira. Por isso, trajava-se e comportava-se como um rapazinho evitando, contudo, o espelho, para ignorar sua feiúra. E sentia-se bonitão.
          - Vou procurar minha alma gêmea, a minha outra metade!
          Não perdia bailes, festas, aniversários, casamentos... Nesses ambientes jogava todo seu charme. Só que não fazia efeito. Mulher nenhuma correspondia aos seus desejos. Desanimado com a falta de resultados, deixou a badalação e enclausurou-se num desconfortado quarto de sua casa. Lá foi curtir a solidão. Seu único companheiro era um rádio Semp, movido a pilhas, com quatro faixas de ondas. Numa noite estafante, sintoniza uma rádio daqui, outra dali, até que acha uma da capital. O programa do horário era “Namoro pelo Rádio”.
          Aristeu mudou o estado d’alma. Ficou de ouvidos em pé. Pegou caneta e papel. Tomou nota do nome de uma solteirona de 42 anos, morena, olhos castanhos e cabelos pretos. Profissão: doméstica. Sua preferência era por um homem do interior.
          O candidato Aristeu, com nome e endereço da coroa, ia agora tentar a sorte: escrever. Na carta não foi sincero. Descreveu uma falsa imagem. A carta chegou ao destino. Marli, - era o nome dela -, topa a parada. Pede uma foto. O mancebo ficou apertado. Escreveu carta afirmando com convicção que, desde criança, tinha aversão por fotografias e que delas só tinha más recordações. Principalmente das últimas que havia tirado ainda jovem: quando do casamento fracassado e a outra quando posara ao lado do pai, que veio a falecer poucos dias depois. Dizia ainda que havia destruído as poucas fotografias que possuía e as únicas que ainda tinha estavam pregadas em seus documentos.
          A moça Marli leu a carta e acreditou no moço. Respondeu que uma simples fotografia não impediria o namoro. Estava ansiosa para conhecê-lo e queria saber do dia que poderia dar uma esticada até Tabuí para vê-lo pessoalmente.
O quarentão marcou o encontro para um dia de sábado do frio mês de junho. A moça confirmou sua viagem na data marcada. Sairia da capital por volta de meia noite e chegaria a Tabuí às cinco e meia da madrugada. Aristeu a esperaria no bar que também servia de rodoviária.
          Eufórico, ele comentava com todo mundo o dia e a hora da chegada da futura namorada que viria da capital.
          Chegou o dia tão esperado. Às quatro da madruga Aristeu já estava de pé. Vestiu o terno, barbeou-se, usou o melhor perfume, penteou-se e se mandou pra rodoviária. Pelas ruas foi convidando quem encontrava para assistir ao encontro.
O ônibus chegou com quase uma hora de atraso, deixando o Aristeu preocupado. O motorista abre a porta e os passageiros descem. De repente uma morena esbelta, de cabelos pretos e curtos aparece na porta do ônibus. Era ela, a Marli. Desceu e foi em direção a um grupo de mais ou menos dez pessoas e perguntou:
          - Qual de vocês é o Aristeu Benedito da Costa?
          O quarentão estufou os peitos, meteu as mãos na cintura, olhou a reação dos companheiros e falou todo orgulhoso:
          - Sou eu, uai!
          A quarentona fez um instante de silêncio, mirou-o da cabeça aos pés, torceu o nariz e perguntou meio assustada:
          - A que horas sai o próximo ônibus para Bel’Zonte?

04/05/2011

O difícil começo de quem vive à míngua

   Certo dia a Isailde, ainda com 17 anos e inexperiente, resolveu atender aos apelos do Sebastião, vulgo Sebá.
   - Ela vai liberá geral preu, Geraldo! É hoje que o porca torce o rabo, sô!
   Todo mundo sabia da taradice do Sebá pela Isailde. A bichinha não tinha sossego. Era convidada diariamente pra cama, pro mato, pra traz da casa, tudo para aliviar o sofrimento do Sebá. E ele insistindo. Mas como água mole em pedra dura tanto bate até que fura, Isailde cedeu.
   - Vai sê depois da reza, na moita de assa-pexe de intremeio com a igreja e o campo de futebor, quando todo mundo tivé ido simbora, Gerardo! Mais óia aqui, ó. Nada de ficá viagiano, heim?
   - Quequiéisso, sô! Pocontá comigo. Num óio e num conto pra ninguém!...
   Na hora do vamo vê, só a lua iluminando a moita de assa-peixe, tão lá os dois nos começos. Mas a moça resolveu pedir instruções pro namorado.
   - Óia, Sebá, num intendo do assunto de séquiço, diz oquecofaço, tá?
   Ele ficou orgulhoso de ser o primeiro a guiar Isailde pra vida.
   - Fica pricupada não, sá! Ó, primero cê levanta a saia!
   A menina, sem jeito pra caramba, fez o que lhe foi pedido.
   - Agora cê tira a carcinha! – disse ele excitadíssimo.
   - A não, Sebá! Tô cum veigonha! - O Sebá não agüentava mais de nervosismo e de impaciência...  
   Começa a tremer as pernas mas, ao dar uma olhada pro lado do campo de futebol, vê que o tempo fechou.
   - Corre, Zaíde! Poficá sem vergonha!... Agacha e mija digero. Eu vô caí fora, pois que o seu pai tá vino, pisano arto e com a pexeira na mão, sá! Ai, meu Deus, acode eu!!!...

29/12/2010

Namoro em Tempo de Frio


     Zé Mané sai de Tabuí. Baile na roça. E arruma namorada. Fazendeirinha bem ajeitada, novinha, limpinha e cheirosa. Moça muito distinta e recatada.... Tantos predicados deixaram o Zé na maior paixão.
     - Se ocê quisé memo namorá ieu tem que falá com o pai.
     O rapaz fica desanimado. Mas depois de alguns dias, várias noites sem dormir, conclui com seus botões:
     - Ela é moça boa demais da conta. Vô lá resorvê o pobrema.
     Mandou recado. Vestiu a melhor roupa, calçou botina gomeira e foi rever a paixão e enfrentar o velho, futuro sogro. Andou horas e horas até chegar ao destino. A família recebe bem o nosso Zé Mané. Velho pega na mão, bate nas costas, velha o chama de meu filho, paixão fica segurando sua mão e as três irmãs se derramam em sorrisos. Tudo era ânimo. Os dois apaixonados combinam, num momento em que conseguiram ficar a sós, que a conversa de homem pra homem seria no dia seguinte, na hora do almoço.  
     Tudo muito bem, tudo muito bom, noite chegou. Era junho. Tempo de frio. O Zé, como não previa passar a noite em casa alheia, nem uma blusa trouxera.
     - Tô sentino frio não, gente! Sô assim memo, num sinto frio!
     A desculpa não colava, mas o rapaz não queria dar o braço a torcer. O negócio era impressionar. Queria dar uma de macho e, no seu conceito, macho que é macho não sente frio.
     A moça mostra-lhe o quarto e leva-lhe cobertores.
     - Não, amô! Carece disso não. Nem lençor eu uso! Durmo só de cueca!
     Donzela ficou corada ao ouvir essa palavra de baixo calão.
     - Mas assim cê intangue, bem!
     - Que nada. Tiau, amô! Té manhã!
     Zé Mané fica sem os cobertores tão quentinhos. Tira a roupa e, para honrar a palavra, fica mesmo só de cueca esperando o sono chegar. Mas o frio tava brabo e ele, tremendo, não consegue pegar no sono. Rola pra lá e pra cá, com raiva da sua burrice, até que se lembra do monte de palha de feijão lá no terreiro da sala. Pula a janela e tafuia dentro do monte pra afugentar o frio que lhe entrava até os ossos. E, de fato, lá embaixo tava tão quentinho que ele dormiu sono profundo. Tão profundo que o dia amanheceu e ele nem tium. Continuou lá, encoberto, só com a ponta do nariz num buraco por onde entrava o ar. Lá fora, tudo gelou por causa da geada que chegara de madrugada.
     O pai acordou, mãe também e as quatro filhas. Sol mal dava as caras.
     - Bamo lá botá fogo na paia de feijão pra mode a gente esquentá, mininas? Chamou o pai.
     E lá se foram e meteram fogo sem dó nem piedade na palha de feijão. O fogo rodeou o monte, pegando com certa dificuldade, pois tava meio úmido devido ao orvalho. Por isso o fumacê que começou a sair dali não tava no gibi. E aquela fumaça foi entranhando pro meio do monte e o calor do fogo também. O Zé Mané, ainda dormindo, começa a ficar prejudicado pela fumaça e pelo calor. Sufocado e suando, acorda. Sem entender nada, o instinto de sobrevivência avisa que ele tem que cair fora. Assustado, dá um pulo, fica de pé levantando cinza e fumaça e o fogo começa a chamuscar-lhe a pele. Zé Mané sai correndo empretecido, quase pelado, só de cueca vermelha desbotada, levando junto um canudo de fumaça e fogo. As moças, cada uma mais santa e donzela que a outra, são pegas de surpresa e não entendem nada. Nem reconhecem o moço. E vendo aquela figura estranha e inesperada saindo do meio do fogo, caem de joelhos, prontas para rezar, pensando estar vendo coisas do outro mundo.
     - É o demônio! - Gritou uma.
     - É o capeta, mãe! - Gritou outra.
     - Livrai-nos Deus, Nosso Senhor! - Berrou a mãe.
     Zé Mané nem no quarto passou. Cheio de vergonha, ainda sem entender direito o acontecido, se mandou estrada a fora e só foi descobrir que estava nu ao entrar em Tabuí, sendo vaiado por um bando de moleques.

06/05/2010

Falta de assunto

     Um dia Zé Ruela arrumou namorada em Tabuí. O rapaz era da roça mas não perdia festa na cidade, doido pra arrumar uma doida e se ajeitar na vida. Só que Zé Ruela era fraco de inteligência e muito tímido. Ficava sem assunto em presença de rabo de saia. Mas sabia que, com moça da cidade, tinha que ser conversador, tinha que passar a lábia, senão a pretendida desistia.
     Primeira vez que foi à casa da moça. Um sufoco. Vestiu sua melhor roupinha, colocou botina gomeira e botou perfume no cangote. Andou bem mais de uma légua até Tabuí. Chegando à casa da distinta, foi apresentado aos pais, pôs as mãos no bolso e não sabia mais o que fazer. Ainda bem que ela pegou cadeiras e foram os dois para a porta da rua, para ficarem mais à vontade. Zé Ruela, doidinho para agradar, caça assunto em tudo quanto é cantinho da cuca e não acha. Cérebro embotado. Até que surge uma idéia que ele, sem nem pensar muito, casca na namorada.
     - Cê já viu onça?
     - Eu não!
     - Se ocê vê, cê caga!...
     A moça deu um sorriso amarelo e começou a achar que entrara numa canoa furada. O Zé, sem desconfiômetro, acreditou que estava agradando. Mastiga outra idéia na cuca e solta:
     - Cê já foi mordida de cobra?
     - Eu não! Credo!...
     - Dói!...
     A namorada, agora com certeza de ter entrado em canoa furada, começa a pensar numa maneira de descartar o Zé Ruela. Mas ele ataca de novo:
     - Lua bonita, né?
     - É...
     - Boa pra gente andá no cavalo do vizinho, né?
     Nessa hora ela não resistiu e deu uma risada. Teve dó do desajeitamento do rapaz. E ele, pensando que estava por cima da carne seca, comete um atrevimento. Pega no dedinho mindinho dela e fica balançando pra lá e pra cá. A moça, querendo ver no que ia dar, deixou. E Zé Ruela fica lá, balançando o mindinho da moça enquanto assunto não aparecia. Finalmente, cúmulo da intimidade, olhando pro dedinho dela, fala:
     - Benhê!... Eu te quebro o dedo!...
     A moça, que não esperava por um papo desse tipo, desafia:
     - Então quebra!
     E ele:
     - Trac!!!...
     Quebrou o dedo da donzela e o namoro acabou ali mesmo.