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22/01/2012

Mais logo numa moita...

     Lá no Abacaxis, currutela de uma rua só, a muitas léguas de Tabuí, era noite de lua cheia. Tempo fresco e época de colheita. Todo mundo gente muito simples. Divertimento com aquela lua toda era uma baita festa ao som duma viola doída, uma boa sanfoninha reco-reco, um cavaquinho e um pandeiro. Cada um arranhando mais que o outro. Imitando caipiras de fama. Aqueles do rádio. Cantadores cantavam cantigas apaixonadas, com olhinhos até fechados, sonhando com sucesso fácil da cidade grande. Bem diferente de ter que enfrentar cabo de guatambu dia-a-dia.
     Festa cada vez mais animada. Tanto dentro quanto fora do rancho. De terra batida. Forquilha no meio para segurar a cobertura de sapê. Lá fora só movimento. Homens e mulheres, cansados de tanto arrastar o pé e balançar o esqueleto, tomavam uma branquinha pra esquentar o peito, proseando enquanto queimavam um pitinho. Lua cheia, misturada com noite fresquinha e pinguinha, clareava e contribuíam para o bom desenrolar dos proseamentos.
     Enquanto isso, no salão, lotado, dança corria solta. Rela-rela pra tudo quanto é canto. Lá no Abacaxi ninguém cuida da vida do outro. Sem futricas. Cada um faz o que acha certo, é respeitado pelo que é e pelo que faz. Mas num cantinho mais escuro, embora ninguém nem olhasse, tinha um casalzinho que garrou a dançar no comecinho da festa, assim que o sol se pôs, e não parou mais. Não parou é maneira de dizer. Porque parados, no meio do rancho, ficavam tempão danado. Agarradinhos. Coisa com coisa encostadinha e latejando.
     Lá pelas tantas da madrugada, rancho abarrotado de gente, contrário do clima lá fora, calor derretia neguinho. Até tocadores deixaram de sonhar e já reclamavam. Sanfoninha espumando melecada de suor. Pandeirinho nem mais respondia à pandeiração. Só casalzinho tava nem aí. Dançava e dançava cada vez mais agarradinho, esfregando as coisas, no bem-bom, olhinhos até fechados. Queriam que o mundo acabasse em moita. Com aquela quentura toda não teve outro jeito. Rapaz garrou numa suadeira danada. Molhado dos cabelos da cabeça até a ponta do dedão do pé grande. Mocinha também. Ruge escorria naquele rostinho aveludado. Vestidinho de chita todo molhado, grudado no corpo, mostrando formas apetitosas. Músculos fortes de uma cabrocha do sertão. Assim meio tonta, resolve falar alguma coisa para o desejo contido arder menos. Abre um olhinho... O outro olhinho... Desgruda a cabecinha do peito do mancebo e diz pra ele, caprichando e dobrando a língua nos pronomes:
     - Mas você sua, heim?
     E o rapaz, sonhando com o mais logo numa moita, candidamente, sem nem pensar, responde rapidinho:
     - E ieu tamém vô sê seu!!!...

29/12/2010

Namoro em Tempo de Frio


     Zé Mané sai de Tabuí. Baile na roça. E arruma namorada. Fazendeirinha bem ajeitada, novinha, limpinha e cheirosa. Moça muito distinta e recatada.... Tantos predicados deixaram o Zé na maior paixão.
     - Se ocê quisé memo namorá ieu tem que falá com o pai.
     O rapaz fica desanimado. Mas depois de alguns dias, várias noites sem dormir, conclui com seus botões:
     - Ela é moça boa demais da conta. Vô lá resorvê o pobrema.
     Mandou recado. Vestiu a melhor roupa, calçou botina gomeira e foi rever a paixão e enfrentar o velho, futuro sogro. Andou horas e horas até chegar ao destino. A família recebe bem o nosso Zé Mané. Velho pega na mão, bate nas costas, velha o chama de meu filho, paixão fica segurando sua mão e as três irmãs se derramam em sorrisos. Tudo era ânimo. Os dois apaixonados combinam, num momento em que conseguiram ficar a sós, que a conversa de homem pra homem seria no dia seguinte, na hora do almoço.  
     Tudo muito bem, tudo muito bom, noite chegou. Era junho. Tempo de frio. O Zé, como não previa passar a noite em casa alheia, nem uma blusa trouxera.
     - Tô sentino frio não, gente! Sô assim memo, num sinto frio!
     A desculpa não colava, mas o rapaz não queria dar o braço a torcer. O negócio era impressionar. Queria dar uma de macho e, no seu conceito, macho que é macho não sente frio.
     A moça mostra-lhe o quarto e leva-lhe cobertores.
     - Não, amô! Carece disso não. Nem lençor eu uso! Durmo só de cueca!
     Donzela ficou corada ao ouvir essa palavra de baixo calão.
     - Mas assim cê intangue, bem!
     - Que nada. Tiau, amô! Té manhã!
     Zé Mané fica sem os cobertores tão quentinhos. Tira a roupa e, para honrar a palavra, fica mesmo só de cueca esperando o sono chegar. Mas o frio tava brabo e ele, tremendo, não consegue pegar no sono. Rola pra lá e pra cá, com raiva da sua burrice, até que se lembra do monte de palha de feijão lá no terreiro da sala. Pula a janela e tafuia dentro do monte pra afugentar o frio que lhe entrava até os ossos. E, de fato, lá embaixo tava tão quentinho que ele dormiu sono profundo. Tão profundo que o dia amanheceu e ele nem tium. Continuou lá, encoberto, só com a ponta do nariz num buraco por onde entrava o ar. Lá fora, tudo gelou por causa da geada que chegara de madrugada.
     O pai acordou, mãe também e as quatro filhas. Sol mal dava as caras.
     - Bamo lá botá fogo na paia de feijão pra mode a gente esquentá, mininas? Chamou o pai.
     E lá se foram e meteram fogo sem dó nem piedade na palha de feijão. O fogo rodeou o monte, pegando com certa dificuldade, pois tava meio úmido devido ao orvalho. Por isso o fumacê que começou a sair dali não tava no gibi. E aquela fumaça foi entranhando pro meio do monte e o calor do fogo também. O Zé Mané, ainda dormindo, começa a ficar prejudicado pela fumaça e pelo calor. Sufocado e suando, acorda. Sem entender nada, o instinto de sobrevivência avisa que ele tem que cair fora. Assustado, dá um pulo, fica de pé levantando cinza e fumaça e o fogo começa a chamuscar-lhe a pele. Zé Mané sai correndo empretecido, quase pelado, só de cueca vermelha desbotada, levando junto um canudo de fumaça e fogo. As moças, cada uma mais santa e donzela que a outra, são pegas de surpresa e não entendem nada. Nem reconhecem o moço. E vendo aquela figura estranha e inesperada saindo do meio do fogo, caem de joelhos, prontas para rezar, pensando estar vendo coisas do outro mundo.
     - É o demônio! - Gritou uma.
     - É o capeta, mãe! - Gritou outra.
     - Livrai-nos Deus, Nosso Senhor! - Berrou a mãe.
     Zé Mané nem no quarto passou. Cheio de vergonha, ainda sem entender direito o acontecido, se mandou estrada a fora e só foi descobrir que estava nu ao entrar em Tabuí, sendo vaiado por um bando de moleques.

23/11/2009

Namoro em Tempo de Frio

Zé Mané sai de Tabuí. Baile na roça. E arruma namorada. Fazendeirinha bem ajeitada, novinha ainda, toda limpinha e cheirosa. Moça muito distinta e recatada....Tantos predicados deixam o Zé na maior paixão.
- Se ocê quisé memo namorá ieu tem que falá com o pai.
O rapaz fica desanimado. Mas depois de alguns dias, várias noites sem dormir, conclui com seus botões:
- Ela é moça boa demais da conta. Vô lá resorvê o pobrema.
Mandou recado. Vestiu a melhor roupa, calçou botina gomeira e foi rever a paixão e enfrentar o velho, futuro sogro. Andou horas e horas até chegar ao destino. A família recebe bem o nosso Zé Mané. Velho pega na mão, bate nas costas, velha chama-o de meu filho, paixão fica segurando sua mão e as três irmãs se derramam em sorrisos. Tudo era ânimo. Os dois apaixonados combinam, num momento em que conseguiram ficar a sós, que a conversa de homem pra homem seria no dia seguinte, na hora do almoço. Tudo muito bem, tudo muito bom, noite chegou. Era junho. Tempo de frio. O Zé, como não previa passar a noite em casa alheia, nem uma blusa trouxera.
- Tô sentino frio não, gente! Sô assim memo, num sinto frio!
A desculpa não colava, mas o rapaz não queria dar o braço a torcer. O negócio era impressionar. Queria dar uma de macho e, no seu conceito, macho que era macho não sentia frio.
A moça mostra-lhe o quarto e leva-lhe cobertores.
- Não, amô! Carece disso não. Nem lençor eu uso! Durmo só de cueca!
Donzela fica corada ao ouvir essa palavra indecente.
- Mas assim cê intangue, bem!
- Que nada. Tiau, amô! Té manhã!
Zé Mané fica sem os cobertores, tão quentinhos. Tira a roupa e, para honrar a palavra, fica mesmo só de cueca esperando o sono chegar. Mas o frio tava brabo e ele, tremendo, não consegue pegar no sono. Rola pra lá e pra cá, com raiva da sua burrice, até que se lembra do monte de palha de feijão lá no terreiro da sala. Pula a janela e tafuia dentro do monte pra afugentar o frio que lhe entrava até os ossos. E, de fato, lá embaixo, tava tão quentinho, que ele dormiu sono profundo. Tão profundo que o dia amanheceu e ele nem tium. Continuou lá, todo encoberto, só com a ponta do nariz num buraco por onde entrava o ar. Lá fora, tudo gelou por causa da geada que chegara de madrugada.
O pai acordou, mãe também e as quatro filhas. Sol mal dava as caras.
- Bamo lá botá fogo na paia de feijão pra mode a gente esquentá, mininas? Chamou o pai.
E lá se foram e meteram fogo sem dó nem piedade na palha de feijão. O fogo rodeou todo o monte, pegando com certa dificuldade, pois estava meio úmido devido ao orvalho. Por isso o fumacê que começou a sair dali não tava no gibi. E a fumaça foi entranhando pro meio do monte e o calor do fogo também. O Zé Mané, ainda dormindo, começa a ficar prejudicado pela fumaça e pelo calor. Sufocado e suando, acorda. Sem entender nada, o instinto de sobrevivência avisa que ele tem que cair fora. Assustado, dá um pulo, fica de pé levantando cinza e fumaça e o fogo começa a chamuscar-lhe a pele. Zé Mané sai correndo empretecido, quase pelado, só de cueca vermelha, desbotada, levando junto um canudo de fumaça e fogo. As moças, cada uma mais santa e donzela que a outra, são pegas de surpresa e não entendem nada. Nem reconhecem o moço. E vendo aquela figura estranha e inesperada saindo do meio do fogo, caem de joelhos, prontas para rezar, pensando estar vendo coisas do outro mundo.
- É o demônio! - Gritou uma.
- É o capeta, mãe! - Gritou outra.
- Livrai-nos Deus, Nosso Senhor! - Berrou a mãe.
Zé Mané nem no quarto passou. Cheio de vergonha, ainda sem entender direito o acontecido, se mandou estrada a fora e só foi descobrir que estava nu ao entrar em Tabuí, vaiado por um bando de moleques.