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04/05/2013

ACIDENTE NA DESCIDA DO MORRO


Era sábado de muito sol e Cirino, Bentinho, Camisola e Jerebão tavam lá na metade do Morro do Piqui Atolado, bem escundidins atrás dum barranco, à sombra de uma pindaíba, entornando da Providência, “a água que passarinho não bebe” e conversando potoca.
   - ô Bentinho! Cê sabe que o Camisola – hic! - disse pra mim que num qué criá vergonha na cara?
   - É mezzz, Cirino? Causdiquê?
   - É, ele disse que num cria não, porque num sabe o quequesse bicho come. Hic!...
   - E ocê sabia, Jerebão – hic - que o Bentinho é o fio mais novo da mãe dele?
   Todos olham para o Bentinho para ouvir a versão do citado:
   - É mezzz, gente! Mais ieu era tão feio, tão magrelo e tão chato... Inda bem que fui o úrtimo fio, mode que se tivesse sido o primeiro, a minha mãe – hic - ia fica tão ripindida qui nem teria mais fio...
A turma gostava de fofocar e beber ali no morro. Não queriam beber às claras, para evitarem acúmulo de bêbados num só local. Depois de enxugarem uns três litros da dita cuja tão afamada, resolvem fazer uma vaquinha pra alguém buscar mais um litro.
- Jerebão, ocê é que vai lá, sô! - Foi a decisão do grupo. O escolhido ficou, portanto, de fora da vaquinha. Os outros três contribuíram cada qual com três reais.
No alto do Morro do Piqui Atolado havia uma venda e o Jerebão foi empurrando sua bicicleta velha pra depois voltar mais digeiro. Colocou o livro da Providência por dentro da camisa com toda a cerimônia e começou a descer a ladeira. Esquecera de que a bicicleta não tinha freio. E o trem foi pegando velocidade e o Jerebão não teve outro recurso que não se jogar no chão para evitar acidente maior. Coisa de bêbado que fica cheio de coragem. E saiu rolando ladeira abaixo, em meio a cascalhos e pedras, misturando suor com poeira e sangue. Quando parou de rolar, já perto dos companheiros de golo, sentiu uma friagem na barriga. Antes de abrir a camisa, exclamou suplicante para os companheiros:
- Aí, meu Deus! Tomara que seja sangue!...

PINGUÇO MANSO



Cirino recebeu visita do seu conhecido Luiz dos Prazeres, dos tempos em que trabalhou em São Paulo. No lugar de levar o homem pra casa logo, foram primeiro pro boteco tomar umas.
- Ó Luiz, aqui ocê vai cunhecê uma pinguinha da boa, sô! A mais mió de Tabuí e vi falá que do mundo!...
E taca Providência no senhor Prazeres que já tava ficando de olho torto. A alegria do Cirino é que o visitante era homem abonado e, portanto, preocupação com a conta não havia. Já tarde da noite é que ele resolve que é hora de ir pra casa.
- Ó, sô! Praminhã a muié já tá preparano um armoço dos mais mió de baum. Cê vai cumê é franguim ao moio pardo no armoço e doce de marolo de sobremesa... Pãozinho de quejo nora quiocê quisé... Cada dia uma cumida diferente... Aí quiocê vai vê o qui é uma mineira boa de cuzinha, sô! Minha muié é das mais mió que tem...
- Cumpá Luiz, agora vô mostrá procê a minha casa!...
Cês viram que o tabuiense não deixava o outro falar. E lá foram os dois, prum dos cantos da Rua do Assobio. Ao chegarem, Cirino continuava com a palavra:
- Ó, cumpade! Tá veno aquela marelinha ali? É a minha casa. Entra padento!... Tá veno essa sala? É minha! Ali é minha cuzinha, ali é minha varanda e ali é meu quarto. Vem cá pcê vê!... E aquele ali durmino ca minha muié sô eu!... Uai!?...

05/04/2013

O TESOURO DO BURACO DE TATU





- Celeste, deixa o Taviano í pescá Ca gente, sá!
- Deixo não! Ele vai é inchê a cara junto cocêis! Pode não!
- Mas, sá! A gente nem vamo levá pinga não, uai!
A insistência foi tanta que dona Celeste não teve mais como negar. A preocupação dela tinha procedência. Otaviano bebera tanto na juventude que, com pouco mais de 40 anos, já tava com começo de cirrose. Celeste vigiava-o pra tudo quanto é canto para que ele não mais colocasse um copo de cangebrina na boca. Mas, pescar, era a sua grande paixão e foi isso que deixou mole o coração da mulher.
- Intão, cês num leva bebida e vigia a capanga dele...
- Tá bão, Celeste. A gente vamo fazê isso.
Mas, apesar de tanta insistência, não ficaram sem levar bem escondida, uma garrafa da cachaça Providência. Chegando à beira do córrego, pensaram, pensaram e resolveram esconder a coisa num buraco de tatu. Acharam um, enfiaram a garrafa bem pro fundo e tamparam tudo com folhas secas, na certeza de que o Taviano jamais acharia o tesouro naquele lugar. E foram pescar. De vez em quando um dos companheiros sumia. O destino era o buraco do tatu e a pinguinha diminuindo na garrafa.
Numa certa hora, descobriram que o Taviano não estava no meio deles. Sumira. Procura daqui, procura dali, acharam o homem dormindo debaixo de uma gameleira. Ao acordar, notaram que ele tinha bebido. Tudo.
- Você bebeu, Taviano!... Cumé quiocê achô a pinga, home de Deus?
- Uai, sô! Cês num sabe que gambá chera gambá?

20/03/2013

PALAVRAS CRUZADAS




Tõingalo era homem letrado. Aprendera sozinho quase tudo o que sabia de leitura. E viciou-se em palavras cruzadas. Mas, aliado a esse vício, tinha outro. Consumidor de cachaça de alambique, tão farta em Tabuí. Num certo dia ele teve que viajar às pressas pra Bambuí. O estoque de palavras cruzadas acabara e não deu tempo de fazer encomenda das revistinhas. Teve que viajar sem o passatempo predileto.
Ao pegar o trem, um misto de cargas, bois e passageiros, Tõingalo, já com umas canjibrinas na cuca, achou lugar vago ao lado de uma moça bem bonita, tão branquela quanto ele.  Sentou no banco e a moça tira da bolsa o quê? Isso mesmo, uma revistinha de palavras cruzadas. E começou a preencher sua revistinha sem dar o mínimo de atenção ao Tõingalo. Ele, com angústia, sofrendo com o descaso dela que não pedia nem uma ajudazinha, começou a suar e a exalar cheiro de suor nervoso, misturado com o bafo da pinga.
Com o efeito da mardita aumentando, Tõingalo foi avermelhando. Vendo a moça progredir nas palavras cruzadas, curioso demais da conta, foi encostando-se nela pra conseguir ler o que ela escrevia. Esquivar-se e espremer-se contra a parede do carro, até mais não poder, de nada adiantou. Quando não havia mais nenhum espaço entre os dois, o Tõingalo quase no colo da vizinha, ela não aguentou o comportamento e a catinga do companheiro de viagem. Olhou pra ele e tascou:
- Vermelho e fedido...
Ao que Tõingalo, pensando que ela estivesse pedindo ajuda, aliviado, prontamente respondeu:
- Se fô com cinco letra, tá no papo: é fiofó!...

                                                                    (Reescrito com base em causo enviado por Luzia N. Coelho, de Goiânia-GO)

29/03/2012

Tem trololó na bitaca do Cirilo

      Bem no pé da serra do Urubu, onde o rio Sorongo é um fiozito d’água, tem a estrada do Sapo, mais conhecida como Sapolândia. Numa curva, onde bambu era mato, ficava a venda do Cirilo. Na parede, um cartaz da Providência, a melhor cachaça da região, onde se lia, em bom Português: “cana na roça, dá pinga e pinga na cidade, dá cana”. Umas prateleiras de pranchões de sucupira recebiam a mercadoria mais miúda, empilhada com traquejo pela dona Rita. Lá no fundo, dois barris, cheios de querosene, - o combustível da roça -, e a balança pra pesar capado.
      A maior atração da bitaca do Cirilo não era pinga não. Era a sinuca. Para caber a mesa grandona, o comerciante teve que espichar o cômodo da venda. E lá ficava ele, comandando a sinuca e vendendo rapadura pra um, pão sovado pra outro, prato esmaltado prum terceiro, pedaço de fumo para um quarto, enquanto enricava pegando um trocado daqui e outro dali, anotando tudo num caderninho onde tava escrito “dever de casa” e “Brasil, um país que vai pra frente”, dado por um programa do governo.
      Chegava tardinha, antes do sol sumir, começava a juntar gente. Vizinhos, vaqueiros, peões, amigos, roceiros de tudo quanto é naipe, terminavam sua labuta diária e vinham bater ponto na venda do Cirilo. Uns para rezar o terço na igrejinha ao lado, comandados pela dona Rita, mas a maioria vinha era para jogar sinuca mesmo. Um Deus-nos-acuda. Prosório, risadas e a gritaria chegavam a atrapalhar as orações da turma da igrejinha. Naquela noite, o Tonico Vergina é quem ia puxar o terço. Brincando, conversando, fofocando, se ajoelharam, falando mal da vida alheia, se armaram do rosário e ficaram a postos para fazer o nome do Pai. Mas da cabeça do Tonico Vergina, não saia aquela moda de viola durante noites e noites tocada na vitrola do Cirilo, até afundar os sulcos do bolachão. A música começava com o refrão “Siriema do Mato Grosso, seu canto triste, me faz chorar...”. O nosso puxador de terço passava dias a pedaços de noite com esse refrão na cabeça. Foi por isso que, ao puxar o nome do Pai, no lugar de dizer as palavras de costume, o que saiu foi o refrão da moda de viola “çariema do Mato Grosso...”, enquanto se persignava. Aí o terço virou bagunça. As risadas não puderam ser contidas, nem com os psius e ameaças da dona Rita. O Tonico não sabia onde meter a cara e se persignava repetindo “perdão, meu Deus”, “perdão, meu Deus...”!
      Terminada a reza, o povo começava a ralear, ficando só o pessoal da sinuca, revezando até a madrugada, enquanto o Cirilo, cansado e com sono, maldizia entre dentes “um dia indaacabo com a disgraça dessa sinuca. A merreca de lucro que ela me dá num há de fazê farta...”.
      Naquela noite só ficaram os mais amigos do Cirilo. Resolveram aprontar. Esqueci de dizer que Cirilo era homem sistemático e brabo. Andava com faca na cintura e, enfiado num saco de farinha de mandioca, um revólver pronto para eventualidades, além de uma garrucha enferrujada, carregada, misturada com as lingüiças, penduradas no varal. Mais de 10 da noite, tarde demais da conta pro povo da roça, o Cirilo, como sempre, reclamando pros seus botões, se ajeitava em cima duns sacos de farinha, milho e açúcar, tirava as botinas espalhadeiras de chulé, e puxava o ronco, enquanto a turma continuava a jogatina. Quando viram que ele dormia a sono solto, apagaram o lampião e continuaram, no escuro, a fazer barulho, com bolas e tacos, conversando, rindo, soltando piadas. Até que um aprontou um escarcéu, borrifou cachaça em cima do dorminhoco e gritou ô Cirilo. O homem acordou, meio tonto, e, sem ver nada, naquela escuridão, foi logo perguntando, com a mão já segurando a peixeira:
      - O quê? Oncotô?... O quê que foi, gente?
      - Aí a moça procê atendê, Cirilo!
      - Moça? Que moça, home?
      - Aí no barcão, uai!
      - No barcão? Num vejo nada, sô!
      - Credo! Parece que tá cego! Tá inventano moda, home de Deus?
      - Gente, num tô veno nada não! Devera! Juro por Deus! – gritou agoniado.
      Da turma, uns riram, segurando-se, espremendo-se. Um deles, mais gaiato, todo romântico, falou:
      - Cê num tá veno a lua lá fora, Cirilo? Tão bonita!...
      Aí o vendeiro se desesperou mesmo.
      - Gente! Tô cego!... Meu Deus do céu! Que será de mim e dos meus fio!?... Ô vida!...
      Aí o povo não agüentou mais tanto estancamento. Foi risada pra todo lado, até que um desavisado resolveu acender um pito. Não deu outra. Cirilo descobriu a tramóia e o cacete comeu solto. Quando achou um isqueiro e acendeu o lampião, até encontrar a garrucha no meio da lingüiça, não tinha mais ninguém na venda. Todo mundo chispara, conhecendo a brabeza do homem.
      Aquela foi um dia, em que a bitaca do Cirilo fechou antes da meia noite e ele pôde, após tanto tempo, no aconchego dos lençóis, chamar a dona Rita para um tête a tête, depois da raiva passada.

12/02/2009

Mulher pelada não compra pinga

Esta aconteceu ali bem perto da casa amarela que é onde moram as três mulheres “de vida fácil” de Tabuí. Foi no boteco do Zé Mineiro. Chega uma mulher nua e pede cachaça.
O Zé, com medo de a sua cara-metade ver aquela encrenca, fica aturdido e espantado, mas, mesmo assim, debruça-se sobre os caixotes que serviam de balcão e observa a visitante, prestando muita atenção nos detalhes.
Aí a mulher pede mais cachaça. Ele, outra vez, debruça-se sobre os caixotes, meio na dúvida, cheio de pontos de interrogação.
- Cê nunca viu muié pelada não, é?
- Uai, sá!... Já vi sim, senhora!
- Intão pra quê qui tá assustado?
- É qui eu tô quereno é sabê dondé quiocê vai tirá o dinheiro pra me pagá as pinga, uai!