Bem no pé da serra do Urubu, onde o rio Sorongo é um fiozito d’água, tem a estrada do Sapo, mais conhecida como Sapolândia. Numa curva, onde bambu era mato, ficava a venda do Cirilo. Na parede, um cartaz da Providência, a melhor cachaça da região, onde se lia, em bom Português: “cana na roça, dá pinga e pinga na cidade, dá cana”. Umas prateleiras de pranchões de sucupira recebiam a mercadoria mais miúda, empilhada com traquejo pela dona Rita. Lá no fundo, dois barris, cheios de querosene, - o combustível da roça -, e a balança pra pesar capado.
A maior atração da bitaca do Cirilo não era pinga não. Era a sinuca. Para caber a mesa grandona, o comerciante teve que espichar o cômodo da venda. E lá ficava ele, comandando a sinuca e vendendo rapadura pra um, pão sovado pra outro, prato esmaltado prum terceiro, pedaço de fumo para um quarto, enquanto enricava pegando um trocado daqui e outro dali, anotando tudo num caderninho onde tava escrito “dever de casa” e “Brasil, um país que vai pra frente”, dado por um programa do governo.
Chegava tardinha, antes do sol sumir, começava a juntar gente. Vizinhos, vaqueiros, peões, amigos, roceiros de tudo quanto é naipe, terminavam sua labuta diária e vinham bater ponto na venda do Cirilo. Uns para rezar o terço na igrejinha ao lado, comandados pela dona Rita, mas a maioria vinha era para jogar sinuca mesmo. Um Deus-nos-acuda. Prosório, risadas e a gritaria chegavam a atrapalhar as orações da turma da igrejinha. Naquela noite, o Tonico Vergina é quem ia puxar o terço. Brincando, conversando, fofocando, se ajoelharam, falando mal da vida alheia, se armaram do rosário e ficaram a postos para fazer o nome do Pai. Mas da cabeça do Tonico Vergina, não saia aquela moda de viola durante noites e noites tocada na vitrola do Cirilo, até afundar os sulcos do bolachão. A música começava com o refrão “Siriema do Mato Grosso, seu canto triste, me faz chorar...”. O nosso puxador de terço passava dias a pedaços de noite com esse refrão na cabeça. Foi por isso que, ao puxar o nome do Pai, no lugar de dizer as palavras de costume, o que saiu foi o refrão da moda de viola “çariema do Mato Grosso...”, enquanto se persignava. Aí o terço virou bagunça. As risadas não puderam ser contidas, nem com os psius e ameaças da dona Rita. O Tonico não sabia onde meter a cara e se persignava repetindo “perdão, meu Deus”, “perdão, meu Deus...”!
Terminada a reza, o povo começava a ralear, ficando só o pessoal da sinuca, revezando até a madrugada, enquanto o Cirilo, cansado e com sono, maldizia entre dentes “um dia indaacabo com a disgraça dessa sinuca. A merreca de lucro que ela me dá num há de fazê farta...”.
Naquela noite só ficaram os mais amigos do Cirilo. Resolveram aprontar. Esqueci de dizer que Cirilo era homem sistemático e brabo. Andava com faca na cintura e, enfiado num saco de farinha de mandioca, um revólver pronto para eventualidades, além de uma garrucha enferrujada, carregada, misturada com as lingüiças, penduradas no varal. Mais de 10 da noite, tarde demais da conta pro povo da roça, o Cirilo, como sempre, reclamando pros seus botões, se ajeitava em cima duns sacos de farinha, milho e açúcar, tirava as botinas espalhadeiras de chulé, e puxava o ronco, enquanto a turma continuava a jogatina. Quando viram que ele dormia a sono solto, apagaram o lampião e continuaram, no escuro, a fazer barulho, com bolas e tacos, conversando, rindo, soltando piadas. Até que um aprontou um escarcéu, borrifou cachaça em cima do dorminhoco e gritou ô Cirilo. O homem acordou, meio tonto, e, sem ver nada, naquela escuridão, foi logo perguntando, com a mão já segurando a peixeira:
- O quê? Oncotô?... O quê que foi, gente?
- Aí a moça procê atendê, Cirilo!
- Moça? Que moça, home?
- Aí no barcão, uai!
- No barcão? Num vejo nada, sô!
- Credo! Parece que tá cego! Tá inventano moda, home de Deus?
- Gente, num tô veno nada não! Devera! Juro por Deus! – gritou agoniado.
Da turma, uns riram, segurando-se, espremendo-se. Um deles, mais gaiato, todo romântico, falou:
- Cê num tá veno a lua lá fora, Cirilo? Tão bonita!...
Aí o vendeiro se desesperou mesmo.
- Gente! Tô cego!... Meu Deus do céu! Que será de mim e dos meus fio!?... Ô vida!...
Aí o povo não agüentou mais tanto estancamento. Foi risada pra todo lado, até que um desavisado resolveu acender um pito. Não deu outra. Cirilo descobriu a tramóia e o cacete comeu solto. Quando achou um isqueiro e acendeu o lampião, até encontrar a garrucha no meio da lingüiça, não tinha mais ninguém na venda. Todo mundo chispara, conhecendo a brabeza do homem.
Aquela foi um dia, em que a bitaca do Cirilo fechou antes da meia noite e ele pôde, após tanto tempo, no aconchego dos lençóis, chamar a dona Rita para um tête a tête, depois da raiva passada.
A maior atração da bitaca do Cirilo não era pinga não. Era a sinuca. Para caber a mesa grandona, o comerciante teve que espichar o cômodo da venda. E lá ficava ele, comandando a sinuca e vendendo rapadura pra um, pão sovado pra outro, prato esmaltado prum terceiro, pedaço de fumo para um quarto, enquanto enricava pegando um trocado daqui e outro dali, anotando tudo num caderninho onde tava escrito “dever de casa” e “Brasil, um país que vai pra frente”, dado por um programa do governo.
Chegava tardinha, antes do sol sumir, começava a juntar gente. Vizinhos, vaqueiros, peões, amigos, roceiros de tudo quanto é naipe, terminavam sua labuta diária e vinham bater ponto na venda do Cirilo. Uns para rezar o terço na igrejinha ao lado, comandados pela dona Rita, mas a maioria vinha era para jogar sinuca mesmo. Um Deus-nos-acuda. Prosório, risadas e a gritaria chegavam a atrapalhar as orações da turma da igrejinha. Naquela noite, o Tonico Vergina é quem ia puxar o terço. Brincando, conversando, fofocando, se ajoelharam, falando mal da vida alheia, se armaram do rosário e ficaram a postos para fazer o nome do Pai. Mas da cabeça do Tonico Vergina, não saia aquela moda de viola durante noites e noites tocada na vitrola do Cirilo, até afundar os sulcos do bolachão. A música começava com o refrão “Siriema do Mato Grosso, seu canto triste, me faz chorar...”. O nosso puxador de terço passava dias a pedaços de noite com esse refrão na cabeça. Foi por isso que, ao puxar o nome do Pai, no lugar de dizer as palavras de costume, o que saiu foi o refrão da moda de viola “çariema do Mato Grosso...”, enquanto se persignava. Aí o terço virou bagunça. As risadas não puderam ser contidas, nem com os psius e ameaças da dona Rita. O Tonico não sabia onde meter a cara e se persignava repetindo “perdão, meu Deus”, “perdão, meu Deus...”!
Terminada a reza, o povo começava a ralear, ficando só o pessoal da sinuca, revezando até a madrugada, enquanto o Cirilo, cansado e com sono, maldizia entre dentes “um dia indaacabo com a disgraça dessa sinuca. A merreca de lucro que ela me dá num há de fazê farta...”.
Naquela noite só ficaram os mais amigos do Cirilo. Resolveram aprontar. Esqueci de dizer que Cirilo era homem sistemático e brabo. Andava com faca na cintura e, enfiado num saco de farinha de mandioca, um revólver pronto para eventualidades, além de uma garrucha enferrujada, carregada, misturada com as lingüiças, penduradas no varal. Mais de 10 da noite, tarde demais da conta pro povo da roça, o Cirilo, como sempre, reclamando pros seus botões, se ajeitava em cima duns sacos de farinha, milho e açúcar, tirava as botinas espalhadeiras de chulé, e puxava o ronco, enquanto a turma continuava a jogatina. Quando viram que ele dormia a sono solto, apagaram o lampião e continuaram, no escuro, a fazer barulho, com bolas e tacos, conversando, rindo, soltando piadas. Até que um aprontou um escarcéu, borrifou cachaça em cima do dorminhoco e gritou ô Cirilo. O homem acordou, meio tonto, e, sem ver nada, naquela escuridão, foi logo perguntando, com a mão já segurando a peixeira:
- O quê? Oncotô?... O quê que foi, gente?
- Aí a moça procê atendê, Cirilo!
- Moça? Que moça, home?
- Aí no barcão, uai!
- No barcão? Num vejo nada, sô!
- Credo! Parece que tá cego! Tá inventano moda, home de Deus?
- Gente, num tô veno nada não! Devera! Juro por Deus! – gritou agoniado.
Da turma, uns riram, segurando-se, espremendo-se. Um deles, mais gaiato, todo romântico, falou:
- Cê num tá veno a lua lá fora, Cirilo? Tão bonita!...
Aí o vendeiro se desesperou mesmo.
- Gente! Tô cego!... Meu Deus do céu! Que será de mim e dos meus fio!?... Ô vida!...
Aí o povo não agüentou mais tanto estancamento. Foi risada pra todo lado, até que um desavisado resolveu acender um pito. Não deu outra. Cirilo descobriu a tramóia e o cacete comeu solto. Quando achou um isqueiro e acendeu o lampião, até encontrar a garrucha no meio da lingüiça, não tinha mais ninguém na venda. Todo mundo chispara, conhecendo a brabeza do homem.
Aquela foi um dia, em que a bitaca do Cirilo fechou antes da meia noite e ele pôde, após tanto tempo, no aconchego dos lençóis, chamar a dona Rita para um tête a tête, depois da raiva passada.
2 comentários:
Lindas e irreverentes estórias!
Parabéns! Boa Páscoa!!!
Lindos causos...volto no tempo...
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