23/11/2009

Uma Certa Menina do Interior

Ozária morava no Tabuí. De família pobre, como pobre era a cidadezinha. Mas Ozária tinha um sonho e resolveu colocá-lo em prática para mudar de vida. Decidiu ir pra capital. Ganhar a vida como empregada doméstica. Ser doméstica na capital não era coisa pra qualquer uma não. E lá se foi Ozária, vestidinho de chita, precata roda, trança no cabelo preto amarradinho na ponta com palha de milho e uma maletinha de papelão com umas bugigangas variadas.
Ozária batalhou na capital. Passou um ano. Passaram dois. No terceiro, não resistindo às saudades, resolveu voltar à terrinha. Dia marcado, tava Tabuí em peso esperando por ela naquilo que era um arremedo de rodoviária. Um frejo danado. Todo mundo queria ver Ozária que, segundo se dizia a boca pequena, tinha mudado na vida.
Quando chegou a jardineira do Valdino tudo se fez silêncio. Cada um queria ser o primeiro a avistar a Ozária. Parece que a cidade só tinha homens. Cada qual se virava como podia. Os de trás na pontinha dos pés, pescoço esticadinho, mãos apoiando nas costas do companheiro da frente. E ela, só para fazer suspense, foi a última a descer da jardineira. Tão diferente estava a moça! Cabelinho curtinho tingido de amarelo. Ruge no rosto. Batom vermelhão nos beiços. Brincos com argolões nas orelhas. Pinta pintada bem grandona na bochecha esquerda. Vestidinho decotado, deixando livre mais da metade da peitaria e, curtinho, quase mostrando as coisas de baixo. Alguns da platéia depois juraram que a roupa de baixo era vermelha. Nas costas um ziper, daqueles que abrem de cima a baixo rapidinho. No peito esquerdo o desenho de um coração com uma setinha e uma frase estranha, desconhecida daqueles olhos gulosos: "I love you". E para completar, Ozária usava uns sapatos com saltos dessa altura. E aquele bumbum arrebitado, que tinha já provocado muitos sonhos entre a machaiada de Tabuí, estava mais arrebitadinho ainda. Era outra Ozária. Pelo jeito, tinha mesmo mudado de vida...
O povão começou a gungunar baixinho, uns a olhar para ela com olhos de fome, outros com um risinho de gaiato brotando no canto da boca até que um mais animadinho resolveu, sob o olhar curioso e angustiado de todos, num suspense danado, perguntar o que queriam saber mas não tinham coragem para dirigir a palavra a uma donzelice tão distinta:
- Oi Ozária, cê tá tão diferente, né?
E ela, candidamente, dando uma empinadinha, ajeitando a bolsinha no ombro e olhando pro alto, com desdém para todos os machões, respondeu:
- Hã! Hã!... Emputeci!...

9 comentários:

Assis de Mello disse...

Olá Eurico,
Obrigdo pelo contato via e-mail e pelas palavras sobre meus poemas. Vou colocar um link para o seu blog no Coisas do Chico.
Que maravilha essa sua coleção de causos mineiros. Excelente trabalho de documentação. Aos poucos vou ler tudo.
Sou nativo de Piracicaba, a cidade que provavelmente tem o sotaque caipira mais carregado do Brasil. E como todo bom Caipiracicabano, meu pai e eu adoramos causos. Um conhecido meu (Cecílio Elias Netto) publicou um livro chamado " Arco, Tarco, Verva- Dicionário do Dialeto Caipiracicabano", muito curioso.
Um abraço e fique esperto. Barata esperta atravessa o galinheiro correndo.

Lenise disse...

Excelente o causo Enrico!!
Muito bem escrito, divertido e com todo o clima característico desse gênero de conto que o torna delicioso de ler.
Parabéns!!
Abraços!

Dalinha Catunda disse...

Olá Eurico,

De causo em causo você enche nossa boca de sorriso.
já estava com saudades de passar por aqui.
Um abraço,
Dalinha

Dora Dimolitsas disse...

Bom dia Eurico
Fico grata por sua
observação ao meu trabalho.
gostei muito dos seu trabalho com os causos, bastante criativos
e até bom para se construir
uma pequena peça, ou algum monologo
algo menor para ser feito como você viu, em pequeos espaços. manteremos contato e discutiremos alguns trabalhos,Abraços Dora

Dora Dimolitsas disse...

Bom dia Eurico
Fico grata por sua
observação ao meu trabalho.
gostei muito dos seu trabalho com os causos, bastante criativos
e até bom para se construir
uma pequena peça, ou algum monologo
algo menor para ser feito como você viu, em pequeos espaços. manteremos contato e discutiremos alguns trabalhos,Abraços Dora

Valdeir Almeida disse...

O blog Ponderantes está com domínio próprio. Por isso, peço a você que atualize o link do Ponderantes com o novo endereço www.ponderantes.com.br para mantermos a parceria entre nossos blogs.
Obrigado e abraços.

Valdeir Almeida, Ponderantes

Jalul disse...

Ozária é prática. Safada e prática!
Acredito até numa vingancinha contra as fofoquentas de Tabuí.

Unknown disse...

Não acredito que alguem que se chame OZÁRIA emputece.

Vão rir... a não ser que ela arrume um nome de guerra!

O interessante, Eurico, são os detalhes: "pescoço esticadinho.... tatuagem no peito com outro nome, enfim! Você consegue prender a gente!

Parabéns, amigo!

Beijos

Mirse

Anônimo disse...

Incrível, encontrei a Ozária na terrinha, tá vivinha.