10/08/2009

Sem frango e sem farofa

No começo era muita amizade. O Esmeraldo era assim com o padre Anacleto e visitante assíduo da casa paroquial. Os dois, fortões, quando se encontravam, abraçavam-se fazendo festa e falando alto. Esmeraldo batia nas costas do vigário e dizia:

- Que purmão nos trinque pruma tuberculose, heim, padre?

O padre Anacleto não deixava por menos. Separava-se do abraço do amigo e rebatia, com seu sotaque italiano, dando um tapa no peito do Esmeraldo:

- E aqui dentro bate un coraçon bom para unenfarte, né?

Até que apareceu a pinimba. Numa certa missa, parece que o vigário negara à dona Matilde, a mulher do Esmeraldo, a comunhão, porque ela fora à missa sem o véu. Mas, se, para o vigário, aquilo era parte do ofício e passado era passado, Esmeraldo, mesmo depois de muito tempo, não esqueceu a desfeita e queria tirar forra. Ficou um ano convidando padre Anacleto para almoçar um franguinho na sua casa, ali na Rua do Assobio.

No domingo combinado, chegou o vigário, depois da missa das onze, com fome de dragão, doido pra devorar o franguinho caipira da dona Matilde. Esmeraldo recebe o visitante com a maior cerimônia e, com muita educação, oferece-lhe do vinho francês “Sang du boi” da melhor qualidade, a fim de abrir o apetite, enquanto começam a colocar os assuntos em dia.

Assim que avisam o almoço tá pronto, padre Anacleto já estava sem assunto e perdendo a paciência. Vão pra copa, onde a mesa está posta. O padre casca uma reza e um amém e ocupa o seu lugar. O próprio Esmeraldo vai buscar a comida. Trás duas panelas, uma com canjiquinha e outra com feijão. Senhor vigário acha estranha aquela gororoba para um domingo de frango frito ou de frango ao molho pardo, mas fica calado e resolve aguardar os acontecimentos, colocando um pouco de canjiquinha no prato enquanto esperava coisa melhor.

- Pai, já trazo o frango?

Era o Reginaldo, filho do Esmeraldo, parece que querendo quebrar o galho do padre e ganhar uns pontos com Deus, Nosso Senhor.

- Ainda não, fio! Per’um pôco!

E o visitante, com fome grande, com a pulga atrás da orelha, detona quase meia panela de canjiquinha, enquanto o Esmeraldo não pára de falar.

Lá vem o Reginaldo de novo.

- Agora, pai?

- Não, menino!

Depois de entornar bastante canjiquinha no bucho, na batina e na mesa, padre Anacleto resolveu comer um pouco de feijão, para variar, ainda esperançoso de ver chegar o frango, embora o assunto do Esmeraldo não tivesse fim. Mas chegou a um ponto em que o vigário não queria mais ver canjiquinha e nem feijão na frente. Enjoou daquela comida. Quando foi perguntado pelo Esmeraldo se queria mais, respondeu secamente:

- Quero não!

- Reginardo, meu fio! Traz o frango agora, vai! Digero!

Rapidamente chega o Reginaldo com o frango. Vivo. O penoso é colocado sobre a mesa para comer as sobras da canjiquinha que o padre Anacleto deixara cair. Daquele dia em diante Esmeraldo continuou, agora por motivo justo, a ser “persona nom grata” na casa paroquial.

3 comentários:

Dalinha Catunda disse...

Muito bom Eurico,
Gostei da serventia do frango.
Um abraço,
Dalinha

Unknown disse...

Que maldade, Eurico!

Coitado do padre! Ansioso para comer um franguinho e...

Muito bom!

Só você!

Beijos, amigo

Mirse

Eurico de Andrade disse...

Dalinha e Mirse,
Obrigado pelo carinho das duas. Tão pensando que é fácil a vida do vigário? É não. O coitado tem que fazer por merecer para comer um franguinho!...