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06/04/2013

A VOLTA DO FALECIDO




O Luiz Azedinho resolveu ir embora com a família pra São Paulo. Botou muquiça e família na kombi e pé na estrada. Foi arrumar emprego na cidade grande e conferir se de fato lá havia tantas maravilhas conforme tinha falado na carta o seu amigo Zezim Tronchudo. Mas nem se passaram dois anos, eis que chega a Tabuí a notícia de que o Azedinho tinha morrido morte de acidente com a kombi. Foi reza geral pra alma do conterrâneo, tão querido na cidade. Padre Anacleto celebrou missa e fez menção por vários dias ao descanso eterno de Luiz Azedinho. Houve até quem chorasse.
Num dia de noite em que a comoção pela morte do Luiz não tinha ainda passado, eis que no começo da madrugada, alguém bate forte na porta da pensão “Só Sossego”, do casal Zezé Vitrola e dona Ganguinha.
O Vitrola, que dormia no sofá da portaria, assustado, vai atender ao chamado e aterrorizado fica quando reconhece o visitante, o próprio Luiz Azedinho, barbudo, com um chapelão e vestido num poncho.
- Gente, vim visitá ocêis! – grita e abre os braços para abraçar o amigo.
Vitrola, mal acordado, amolece as pernas, dá batedeira e não vê alternativa senão gritar pra mulher, antes de juntar a últimas forças, arregalar os olhos e sair correndo pensão adentro:
- Corre, Ganguinha! É arma dotro mundo, muié!
O Azedinho se assusta com o grito do amigo e pensando que a alma do outro mundo estivesse atrás dele, sai correndo atrás do Vitrola. A Ganguinha, gordinha e de camisola branca, transparente, cara amarrotada e cabelo degringolado, se manda atrás dos dois, sem ter inicialmente reconhecido o visitante. Foi um Deus nos acuda. Aprontaram o maior quebra-quebra na pensão “Só Sossego” até que entendessem o que tava acontecendo de fato e houvesse os devidos explicamentos.
Vitrola e Ganguinha foram parar na Farmácia do Bilau para tomar calmante e quietar as tremuras enquanto o Luiz Azedinho controlou o seu nervosismo com muito chá de folha de maracujá.

01/02/2013

O FANTASMA DA PONTE




Naquele tempo, ali bem do outro lado da ponte do João Miguel, ninguém gostava de passar à noite. No mato que circulava a ponte, assombração era mato. De tudo quanto é jeito. Corria até história de que naquelas estradas e no meio do cerrado lá mais pra cima, aparecia o tal do lençol fantasma. No princípio, em noites de lua cheia e, depois, em tempo de qualquer lua. Tretou, relou, tava lá o lençol se chacoalhando pralgum transeunte desavisado e pondo muita gente a borrar de medo.

Foi bem nessa época que rolava um namoro de gente da banda de lá com gente da banda de cá, do córrego. O Mozar namorava com a Cida e o Zair com a Deja. Os dois de lá, as duas de cá. Quando iam pro namoro, finalzinho de tarde, nenhum problema. Mas, na volta, encerravam o conversê com hora marcada e várias vezes combinada e iam embora os dois, quase que de mãos dadas. Ao passar na ponte, era um sugigando o outro, de tanto medo. Em algumas noites passavam a ponte um de costas pro outro, assim bem encostadinhos, para cada um vigiar a traseira do companheiro e não serem surpreendidos pelo lençol fantasma.

Mas aconteceu que numa noite o namoro do Mozar demorou mais um tiquim e o Zair, com vergonha de chamar o amigo, se mandou numa correria desenfreada. Sofrimento grande. Mesmo assim, olhando pro chão, até chegar em casa, conseguiu ficar feliz por não ter visto o lençol fantasma. Mas aí, resolveu aprontar vingança pro companheiro. O Zair pegou lençol emprestado com a tia Fiíca, amarrou uma cordinha na ponta do lençol branquinho e o botou do lado de cima da estrada. E ficou do lado de baixo, atrás da moita, esperando.

Quando a cachorrada lá da casa do Taviano latiu, o Zair teve certeza:

- Ele envem! Mozar envem!...

Quando ele se aprontava para puxar a corda e fazer o lençol se levantar para assustar o Mozar, deu uma olhadinha pra trás. Foi aí que todos os cabelos do corpo se arrepiaram. Assim bem atrás dele, tinha um lençol estendido no ar, branquinho, mais branco do que nuvem sem chuva, dando uma chacoalhada de vez em quando. Zair teve que dar a segunda corrida da noite e chegou bufando à casa da Fiíca, quase morto de medo. Antes do Mozar chegar, tranquilo e serelepe, ainda pode ouvir o Zair dando explicações:

- Ó, tia, só num caguei pra mode que num tinha bosta pronta, sá!... Fazê sombração pro zoto? Nunca mais!...

(Causo enviado pela amiga Gilda Corrêa, bambuiense que mora em Uruaçu-GO)

28/01/2010

A fotografia


     Lá no Tabuí acontece muita coisa. Umas engraçadas, outras boas ou tristes e, até, ruins. Como em qualquer lugar do mundo. Mas também acontecem coisas misteriosas...
     Vitalino, cansado da mulher, já amarrotada e gasta pela vida, arranjou namorada. Tudo debaixo de segredo grande. Saía da suas terrinhas, de uns quatro ou cinco alqueires, distantes quase uma légua, e ia bater na cidade, toda tardinha, levando ovo, abóbora, galinha, banha e banda de porco, lingüiça e o que mais pudesse. Abastecê a dispensa da Mariinha, mode ela fica fortona... pensava ele com seus botões. Voltava para casa tarde da noite, refestelado, olhava tristonho pra cara da mulher, à luz da lamparina, dormindo pesado, cansada da labuta diária, deitava e também dormia. Zefinha, cheia de amor e respeito, não abria a boca para falar um a, mesmo notando mudanças no marido. Mariinha, com o tempo, é que mudou o comportamento.
     - Óia, Vitalino, quero que ocê vem aqui agora só uma vez na semana, nas quarta-feira, tá bão?
     - Mas pruquê, Mariinha? Ce num qué mais ieu?
     - Né isso não, deixa de sê bobo, home! E, quando ce vié, traz bastante coisa de cada vez, viu? Arroz, feijão, farinha, fubá, carne e mais misturas, ta bão?
     - Tá bão, Mariinha... Só quarta-feira?
     - É. Só te recebo na quarta-feira. Nos outros dias, nem pensar. Quero descanso.
     Mariinha era moça nova, fogosa, bonita, bem menos da metade da idade do Vitalino, que chegava a mais de quarenta. A moça, saída da roça, aprendera logo manhas da cidade, até a de conquistar homens usando o corpo e viver às custas deles. Chegada em sexo, se esvaía e se contorcia de prazer, trazendo juventude àqueles seus parceiros insatisfeitos, quase nunca bem servidos em casa. A cada noite, a horas e dias marcados com rigor, chegava, sorrateiro, homem naquela casinha de canto de rua, com sacolas, sacos e outras bruzundangas. Poucos novos. A maioria, caindo pelas tabelas, mais pra lá do que pra cá, mas serelepes para ver a amada, cada qual pensando ser sua única paixão. Mariinha, pelo jeito, sabia agradar a todos. Segredo se fazia necessário. Quando não casados, comprometidos com moças da alta grã-finagem de Tabuí. Segredo do negócio era fazer segredo do ofício.
     Ao único amigo, sabedor da história do Vitalino, - e doido para entrar de sócio -, que perguntara porque ele não mais estava indo amiúde à cidade, o apaixonado respondeu simplório:
     - Quero cansá ela não, sô! Só vô quarta-feira que é quando ela mandou. Sou home bedecedô, uai!...
     Certo dia, Vitalino resolveu mudar a situação.
     - Cê casa c'oeu, sá?
     - Casar? Como, se ocê já é casado?
     - A gente dá jeito, uai!
     - Então dê!
     Mariinha até chegou a considerar ter umas terrinhas, assim na beira do rio, todas planas, plantadas, cheias de frutas e criação, com casinha boa. Mas, depois, pensou na responsa de cuidar de casa, fazer comida pra pião, tratar dos bichos, lavar roupa e ter um homem só, sem ganhar nada... Bobagem, sô! Quero é vida mansa!... Espantou pensamento e esqueceu a proposta.
     As visitas do Vitalino continuaram até que, no dia do aniversário dela, ele propôs:
     - Bamo lá em casa, Mariinha?
     - Lá? Fazê o quê?
     - Drumi cumigo, uai!
     - E sua mulher, homem de Deus?
     - Tá lá mais não. Foi embora!...
     Vitalino queria que ela, acobertada pela noite, conhecendo suas posses, resolvesse de vez ficar com ele, agora casando, já que a mulher fora embora. Mariinha montou na garupa, já tarde da noite, sem olhares bisbilhoteiros e fiscalizadores e foram. Não sem antes passar no Tõinzin retratista.
     - Quero tirá retrato c'ocê lá em casa, sá! Lembrança da primeira noite em nossa casa...
     Tõinzin colocou o casal em várias poses e cômodos diferentes, mas não dava certo. Um sombra sempre atrapalhando o foco. Desmontou a máquina, limpou, lavou, soprou e nada. A sombra persistia. Vitalino, cansado de poses com a Mariinha, querendo ficar a sós com ela, para os principalmentes, mandou o Tõinzin bater assim mesmo.
     - Bamo vê no que vai dá, sô!
     Surpresa na hora da revelação. A sombra tomou forma. Bem atrás do casal de amantes, o corpo de uma mulher deitada. Mandada a foto para investigação, desvendou-se o crime e foi encontrado o corpo da Zefinha, enterrado no canto do quarto, debaixo da cama, onde ela, por anos e anos seguidos, dormira com o seu amado.