20/04/2013

As Utilidades do Sabugo




      - Óia, panela, amanhã tem treis pião na capina do cafezal novo, viu?!...
                 E Tunicão bateu com a colher de pau na panela que, supitante, cozinhava feijão naquele começo de noite fria lá do sertão.
Quem não conhece o Tunicão, ao vê-lo conversar com a panela, pensaria tá lelé. Mas não. Ele fica na espreita, até a Deja aparecer na cozinha. Niquiela vem, ele bate na panela com a colher de pau e solta o verbo. A mulher se sente avisada e sabedora de que tem que fazer almoço para mais três pessoas no dia seguinte.
Assim é a vida dos dois que, há quase quinze anos - dos vinte e poucos em que estão juntos - não se falam. Deja faz tudo do terreiro pra dentro e Tunicão, do terreiro pra roça. Quando ela quer dar um aviso pro marido, chama a velha Joaninha que, contrariada, dá os recados pra lá e pra cá. Com Tunicão nada de rebaixamentos. Raramente tem o que falar à mulher. E, na hora do aperto, bate na panela e é atendido no ato.
Essa vida sistemática do casal não impede que os dois tenham lá suas intimidades. Mesmo de mal, - nem sabem mais porque brigaram -, dormem juntos e Tunicão, noite sim, noite não, procura a Deja. Ela se descobre e o recebe. Tão logo ele acaba, ela se recobre sem dizer um a.
Tunicão, é bom que se diga, não é homem de gastar dinheiro. Pra nada. Na sua terrinha, de uns poucos alqueires, produz o que precisa e fala pra todo mundo lá em casa só compro sal. E ai da panela, se ele achar que Deja não economiza e exagera no sal. Reclamação certa. Tunicão produz arroz, feijão, milho e café. Guarda o da despesa, vende o que sobra e bota o dinheiro no banco, na cidade. Pra misturar com o arroz e feijão cria uns porquinhos, umas galinhas e até umas vaquinhas. Vez ou outra mata um desses bichos pra servir de mistura. O excedente vende. Dinheiro no banco. Ainda pra mistura, o Tunicão planta umas mandiocas, inhame, batata-doce, abóbora, chuchu e, na horta de couve, couve, tomate, alface, almeirão caipira e outros verdes. Tem fruta também, no quintal. Laranja, ingá, banana, abacaxi, murici, articum e jenipapo. Dá pra ver que o homem é controlado e que comem bem naquela casa. Mas tem um problema. A economia do Tunicão impede que naquela casa haja papel. Lá não se lê, portanto não se compra jornal e nem revista. Como também não se compra pão, não se tem, então, saco de papel. E papel higiênico então, aquelas bundas não conheciam. Por mais que Deja reclame pra velha Joaninha, Tunicão não cede. E Deja, ao fazer suas necessidades lá pros lados das bananeiras, tem que se contentar com as folhas. Diferentemente faz Tunicão. Vai sempre pro lado do paiol, onde, dicocado, enquanto faz o serviço, debulha milho pros porcos e faz montes e mais montes de sabugos. Tunicão gosta é dos sabugos e filosofa pra companheirama:
- Óia, sabuco é um trem muito importante, gente! Cheio de utilidade. Além de limpá, o danado coça e ainda penteia... Tem coisa mais mió?

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