- Óia, panela, amanhã tem treis pião na
capina do cafezal novo, viu?!...
E Tunicão bateu com a colher
de pau na panela que, supitante, cozinhava feijão naquele começo de noite fria
lá do sertão.
Quem não conhece o Tunicão, ao vê-lo conversar com a
panela, pensaria tá lelé. Mas não. Ele fica na espreita, até a Deja aparecer na
cozinha. Niquiela vem, ele bate na panela com a colher de pau e solta o verbo.
A mulher se sente avisada e sabedora de que tem que fazer almoço para mais três
pessoas no dia seguinte.
Assim é a vida dos dois que, há quase quinze anos - dos vinte e poucos em
que estão juntos - não se falam. Deja faz tudo do terreiro pra dentro e
Tunicão, do terreiro pra roça. Quando ela quer dar um aviso pro marido, chama a
velha Joaninha que, contrariada, dá os recados pra lá e pra cá. Com Tunicão
nada de rebaixamentos. Raramente tem o que falar à mulher. E, na hora do
aperto, bate na panela e é atendido no ato.
Essa vida sistemática do casal não impede que os dois tenham lá suas
intimidades. Mesmo de mal, - nem sabem mais porque brigaram -, dormem juntos e
Tunicão, noite sim, noite não, procura a Deja. Ela se descobre e o recebe. Tão
logo ele acaba, ela se recobre sem dizer um a.
Tunicão, é bom que se diga, não é homem de gastar dinheiro. Pra nada. Na
sua terrinha, de uns poucos alqueires, produz o que precisa e fala pra todo
mundo lá em casa só compro sal. E ai da panela, se ele achar que Deja não
economiza e exagera no sal. Reclamação certa. Tunicão produz arroz, feijão,
milho e café. Guarda o da despesa, vende o que sobra e bota o dinheiro no
banco, na cidade. Pra misturar com o arroz e feijão cria uns porquinhos, umas
galinhas e até umas vaquinhas. Vez ou outra mata um desses bichos pra servir de
mistura. O excedente vende. Dinheiro no banco. Ainda pra mistura, o Tunicão
planta umas mandiocas, inhame, batata-doce, abóbora, chuchu e, na horta de
couve, couve, tomate, alface, almeirão caipira e outros verdes. Tem fruta
também, no quintal. Laranja, ingá, banana, abacaxi, murici, articum e jenipapo.
Dá pra ver que o homem é controlado e que comem bem naquela casa. Mas tem um
problema. A economia do Tunicão impede que naquela casa haja papel. Lá não se
lê, portanto não se compra jornal e nem revista. Como também não se compra pão,
não se tem, então, saco de papel. E papel higiênico então, aquelas bundas não
conheciam. Por mais que Deja reclame pra velha Joaninha, Tunicão não cede. E
Deja, ao fazer suas necessidades lá pros lados das bananeiras, tem que se
contentar com as folhas. Diferentemente faz Tunicão. Vai sempre pro lado do
paiol, onde, dicocado, enquanto faz o serviço, debulha milho pros porcos e faz
montes e mais montes de sabugos. Tunicão gosta é dos sabugos e filosofa pra
companheirama:
- Óia, sabuco é um trem muito importante, gente!
Cheio de utilidade. Além de limpá, o danado coça e ainda penteia... Tem coisa
mais mió?
Nenhum comentário:
Postar um comentário