Certa época, na primeira metade do
século passado, apareceu em Carmo do Rio Claro, - quando lá não tinha ainda
aquele lagoão - talvez proveniente das bandas de Tabuí, um certo individuo,
filho do vento, ainda jovem, pobre, maltrapilho, sem eira nem beira, com
nenhuma referência e cujo nome ninguém sabia.
Perambulando pelas ruas do Carmo, dormindo em
qualquer canto ou nos bancos das praças, passou a viver da caridade alheia. Um
prato de comida não lhe faltava em troca de um ou outro servicinho.
Conseguiu conquistar a confiança da
população - o que o levou, em pouco tempo, a cometer pequenos delitos nas
residências por onde passava. Mostrou, com isso, que era ruim que nem melancia
de ponta de rama. Denunciado pela população foi garfado pela policia e
recolhido à cadeia local, onde passou a ter morada fixa. Como era o costume
daquela época, foi-lhe permitido cumprir a pena em regime semiaberto, podendo
sair durante o dia para prestar alguns serviços na cidade. Foi a glória para o
nosso Preso - como ficou conhecido desde então. Com casa e comida por conta do
governo, passou a juntar uns caraminguás que lhe permitiram comprar uma
roupinha nova e botar uma botina nos pés. Entre as grandes tarefas que lhe
foram atribuídas, ajudava a polícia no controle do trânsito em ocasiões
especiais, tomava conta da cadeia na ausência de policiamento, punha ordem nas
filas das procissões e dos desfiles de Sete de Setembro...
Duas grandes alegrias pintaram
na vida de nosso amigo: juntou dinheiro suficiente para comprar uma bicicleta,
o que lhe permitiu exercer com maior presteza suas funções, e o acesso à
máquina de escrever da delegacia. Foi assim que ele aprendeu a datilografia.
Mas como quem nasceu pra lagartixa, nunca chega a jacaré, durou pouco a felicidade
do nosso Preso. Foi quando a autoridade policial lhe comunicou que sua estadia
por ali tinha chegado ao fim e ele tinha que deixar a cadeia. Pego de surpresa,
o Preso desabou num copioso e desesperado pranto, pedindo pelo amor de Deus que
o deixassem ficar por ali, onde era sua casa. Emburrou por vários dias, mas não
teve jeito. Obrigado a assumir a condição de liberto, declarou à policia, em
alto e bom som:
- Se eu tiver que sair daqui,
eu vô lá fora, mato um e vorto pra cá.
(Este causo me foi contado pelo Prof. Joaquim da SIlva Júnior, de Carmo do Rio Claro-MG)
Um comentário:
Ah se todos fossem assim...
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