No interior futebol desperta grande paixão. Cada timinho, com camisa bonita ou feia, vistosa ou descorada, ou sem camisa mesmo, luta bravamente, até no tapa, se preciso for, para defender seu torrão.
Assim é que, no sábado de tarde, começaram a chegar a Tabuí os representantes do Lusitano Futebol Clube, um timinho danado de valente, lá do bairro do Cerrado, ali mesmo do Bambuí. Chamava-se Lusitano porque o Zezim Mecânico, o dono da bola e, conseqüentemente, do time, achava esse nome muito chique e bonito, mas nem sabia o significado da palavra. A turma foi chegando e se ajeitando como podia para tomar banho ou botar perfume por cima da suvaqueira, já que Tabuí preparara festa com baile para receber os atletas da cidade vizinha. A marmanjada caiu na dança, aproveitando os escurinhos do Ranchão do Bia e, atrás dos esteios e das samambaias choronas, só queria saber de música lenta, assim pra juntar a parceira nos panos, bem agarradinho, fungando no cangote e deixando mão-boba passear. Meninas de Tabuí mais assanhadinhas, principalmente em presença de forasteiros - que, em tese, poderiam, um dia, levá-las a correr mundo - não deixavam por menos, com os devidos cuidados, já que precisavam conservar-se incólumes para arranjar marido. Sem deixar de aproveitar o bem-bom, seguiam os conselhos das mais experientes que ensinavam ó mão-na-mão pode, mão-naquilo também pode, mas, aquilo-naquilo, nunca, jamé. Só casando.
Ao fim do baile, com todo mundo de ressaca e cuspindo azedo por causa da qualidade da pinga adocicada vendida pelo Bia, conservada em barril que um dia guardara soda, - é pincumel, gente! Da boa! - houve atletas que conseguiram dormir um pouquinho, ali mesmo no Ranchão, alguns até grudunhados no cangote dalguma mocinha. Mas nem deu oito horas, tava a marmanjada de pé, com o Zé Tramela, o ponta direita, nervoso demais da conta com o gosto de cabo de guarda-chuva na boca e xingando todo mundo: iscondero minha iscodidente, cambada de fedaputa!
Os visitantes andavam pra cá e pra lá, pelas quatro ou cinco ruas da cidade, sondando o ambiente, reconhecendo terreno e jogando piscadelas, ainda remelentas, pras meninas. Um frejo quisó.
Mas, vamos ao que interessa. Houve o jogo. Com muita canelada e muita insubordinação. Terminou tudo num pífio empate de um a um, com um frango homérico do goleiro visitante, embora o seu time, o Lusitano Futebol Clube já estivesse com a partida ganha. Foi uma glória para o sofrido povo de Tabuí o gol marcado pelo intrépido beque Zizifrido que lavou a honra do time, prestes a ser ultrajada. Zi, como era conhecido, virou herói. Quando perguntado pelo locutor da Rádio Tocatudo qual o milagre de um chutinho daqueles virar gol, não teve dúvida em responder:
- E eu sei? Só sei que chutei a bola e ela foi fono, foi fono, foi fono... e, niquieuvi, ela tava lá, dendo gol, sô!...
O goleiro Zafarel, meio zarolho depois do gol, foi de uma sinceridade piedosa:
- Ó, sô! Vi quais nada. Só sei que a bola veio vino, veio vino, veio vino e cresceno... assim que mirei ela, quesse meu oio bão, já bem grandona, pulei nela mas a merda já tinha passado...
Depois do jogo, outra festança oferecida pelo povo bão da cidade, com churrasco de vaca magrela e cerveja quente. Que fez efeito a ponto do Zezim Mecânico chutar discurso doidimais da conta.
- Gente! Cheguemo, joguemo, num perdemo e nem ganhemo... só impatemo!... Gostô Nicodemo?
Os visitantes, que gostaram foi nada do empate, começaram a se mandar, lá pelas tantas da noite, em caminhão, feito pau-de-arara, na rural do Tancredo Chuvas e, pro fusquinha do Zezim Mecânico, o chefão, só sobraram o próprio e o infeliz frangueiro Zafarel que ninguém, de pirraça, quis levar. Zezim, bêbado e puto da vida com seu arqueiro, resolve, também ele, negar carona:
- Ó, sô! Prestenção! Cê num é dêis? Num jogô prêis? Num frangô prêis, trem? Agora fica cuêis!...
E o goleiro Zafarel teve que curtir uma noite solitária e sem glória – e agora, concovô, meu Deus? Poncovô? - num banco da praça de Tabuí. Convicto do seu erro, lamentava-se, enquanto buscava sono, esse povo é ingrato mesmo, pensano que sou um compreto inúti. Sou é não. Sirvi omeno de mau exempro pros mais novo, uai!... Bispando o dia, teve que arrancar, no dedão do pé grande, as três léguas até o Cemitério Municipal de Bambuí, onde era o coveiro e dava expediente dia-sim, dia-não, havendo ou não defunto, num revertério com o Nicolino, o colega sepultador. Houve luto de uma semana, no Cerrado, pelo jogo perdido. Faltou pouco pro Zafarel perder o emprego naquela quadra, mas goleiro do Lusitano Futebol Clube ele nunca mais foi.
Assim é que, no sábado de tarde, começaram a chegar a Tabuí os representantes do Lusitano Futebol Clube, um timinho danado de valente, lá do bairro do Cerrado, ali mesmo do Bambuí. Chamava-se Lusitano porque o Zezim Mecânico, o dono da bola e, conseqüentemente, do time, achava esse nome muito chique e bonito, mas nem sabia o significado da palavra. A turma foi chegando e se ajeitando como podia para tomar banho ou botar perfume por cima da suvaqueira, já que Tabuí preparara festa com baile para receber os atletas da cidade vizinha. A marmanjada caiu na dança, aproveitando os escurinhos do Ranchão do Bia e, atrás dos esteios e das samambaias choronas, só queria saber de música lenta, assim pra juntar a parceira nos panos, bem agarradinho, fungando no cangote e deixando mão-boba passear. Meninas de Tabuí mais assanhadinhas, principalmente em presença de forasteiros - que, em tese, poderiam, um dia, levá-las a correr mundo - não deixavam por menos, com os devidos cuidados, já que precisavam conservar-se incólumes para arranjar marido. Sem deixar de aproveitar o bem-bom, seguiam os conselhos das mais experientes que ensinavam ó mão-na-mão pode, mão-naquilo também pode, mas, aquilo-naquilo, nunca, jamé. Só casando.
Ao fim do baile, com todo mundo de ressaca e cuspindo azedo por causa da qualidade da pinga adocicada vendida pelo Bia, conservada em barril que um dia guardara soda, - é pincumel, gente! Da boa! - houve atletas que conseguiram dormir um pouquinho, ali mesmo no Ranchão, alguns até grudunhados no cangote dalguma mocinha. Mas nem deu oito horas, tava a marmanjada de pé, com o Zé Tramela, o ponta direita, nervoso demais da conta com o gosto de cabo de guarda-chuva na boca e xingando todo mundo: iscondero minha iscodidente, cambada de fedaputa!
Os visitantes andavam pra cá e pra lá, pelas quatro ou cinco ruas da cidade, sondando o ambiente, reconhecendo terreno e jogando piscadelas, ainda remelentas, pras meninas. Um frejo quisó.
Mas, vamos ao que interessa. Houve o jogo. Com muita canelada e muita insubordinação. Terminou tudo num pífio empate de um a um, com um frango homérico do goleiro visitante, embora o seu time, o Lusitano Futebol Clube já estivesse com a partida ganha. Foi uma glória para o sofrido povo de Tabuí o gol marcado pelo intrépido beque Zizifrido que lavou a honra do time, prestes a ser ultrajada. Zi, como era conhecido, virou herói. Quando perguntado pelo locutor da Rádio Tocatudo qual o milagre de um chutinho daqueles virar gol, não teve dúvida em responder:
- E eu sei? Só sei que chutei a bola e ela foi fono, foi fono, foi fono... e, niquieuvi, ela tava lá, dendo gol, sô!...
O goleiro Zafarel, meio zarolho depois do gol, foi de uma sinceridade piedosa:
- Ó, sô! Vi quais nada. Só sei que a bola veio vino, veio vino, veio vino e cresceno... assim que mirei ela, quesse meu oio bão, já bem grandona, pulei nela mas a merda já tinha passado...
Depois do jogo, outra festança oferecida pelo povo bão da cidade, com churrasco de vaca magrela e cerveja quente. Que fez efeito a ponto do Zezim Mecânico chutar discurso doidimais da conta.
- Gente! Cheguemo, joguemo, num perdemo e nem ganhemo... só impatemo!... Gostô Nicodemo?
Os visitantes, que gostaram foi nada do empate, começaram a se mandar, lá pelas tantas da noite, em caminhão, feito pau-de-arara, na rural do Tancredo Chuvas e, pro fusquinha do Zezim Mecânico, o chefão, só sobraram o próprio e o infeliz frangueiro Zafarel que ninguém, de pirraça, quis levar. Zezim, bêbado e puto da vida com seu arqueiro, resolve, também ele, negar carona:
- Ó, sô! Prestenção! Cê num é dêis? Num jogô prêis? Num frangô prêis, trem? Agora fica cuêis!...
E o goleiro Zafarel teve que curtir uma noite solitária e sem glória – e agora, concovô, meu Deus? Poncovô? - num banco da praça de Tabuí. Convicto do seu erro, lamentava-se, enquanto buscava sono, esse povo é ingrato mesmo, pensano que sou um compreto inúti. Sou é não. Sirvi omeno de mau exempro pros mais novo, uai!... Bispando o dia, teve que arrancar, no dedão do pé grande, as três léguas até o Cemitério Municipal de Bambuí, onde era o coveiro e dava expediente dia-sim, dia-não, havendo ou não defunto, num revertério com o Nicolino, o colega sepultador. Houve luto de uma semana, no Cerrado, pelo jogo perdido. Faltou pouco pro Zafarel perder o emprego naquela quadra, mas goleiro do Lusitano Futebol Clube ele nunca mais foi.
2 comentários:
Olá Amigo. Vim lendo devagarinho os seus textos e cheguei aqui, ao início deste simpático blog que mostra bem a ternura que sente por este povo mais ou menos ficcionado.
Foi muito agradável ter estado consigo, acompanhando-o nos seus relatos tantas vezes hilariantes.
Um grande abraço e parabéns pelo seu trabalho
Ô, Ana! Muito obrigado pela visita. É bom saber que vc, do distante Portugal, tem olhos pras coisas cá da nossa terrinha. Fico feliz em saber que Tabuí agora já é conhecida internacionalmente. Estou devendo uma visita mais demorada ao seu blog.
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