17/02/2006

O renascer de Manezinho

Parte 4 – Por JPVeiga mailto:jpveiga@marlin.com.br

Doutor Rodrigus era bom mesmo! Um homem da Ciência e muito além do seu tempo. Minguando pela falta de uma clientela mais abastada, tratava de se dedicar aos estudos naquele povo; porque o povo era pobre e pobre tem de tudo; tudo no pobre é complicado, esquisito, inusitado, feio, sujo e de se estudar. Mas povo pobre é sempre teimoso na cura. A casa do Doutor Rodrigus não era bem daquelas nos moldes usuais, com cadeiras, mesas, cama, guarda-roupa etc., cada qual no seu lugar e com a sua função específica; mobília existia sim, é verdade, mas tudo encostado nas paredes, na serventia de "estante" para os livros de Medicina; e mais e mais livros disso; milhares deles espalhados por todos os lugares, pelos corredores, do chão até o teto.
Quando Manezinho, "despingolado", irrompeu na casa do Doutor Rodrigus, cara de desespero e dor, tropeçando na livraiada e com as mãos ensangüentadas segurando a região genital, o médico ergueu as vistas do alfarrábio empoeirado que estava a ler e, dali mesmo, seus infalíveis olhos clínicos formularam-lhe a hipótese mais provável de diagnóstico: Hummm... parece um caso de pingolinectomia traumática...

- Deixe-me ver isso, seu Manezinho...

O coitado tirou as mãos do que lhe restava da genitália.

- ... e total! - arrematou.

Manezinho, chorando, implorou:

- P'lamô di tudo qui é sagrado, dotô! Dê um jeito, faiz quarqué coisa! Co'essa minha voizinha de pilha fraca, o povo já dizendo qui eu tô di peitinho e ainda por riba di tudo despingolado, eu vô é virá fruita... Ai! Ai! Eu vô é mi matá!
- Calma, seu Manezinho... - ponderava o médico, enquanto apertava umas pinças para estancar aquele rio de sangue - ... diga-me, onde está a substância perdida?
- Qui "sustância", dotô?! O sinhô tá falano do meu pingolim? Sei lá! Dispois qui Dona Cris cortô ele... bão, si num foi gente qui cumeu eu acho que argum cachorro morto di fome levô pra mode si sustentá cum ele... E eu vô é mi matá! Fruita é qui num viro não! Ai!

Pensemos nisso: O que um médico, cientista antes de tudo, não faz para honrar o seu juramento...

- Bem, seu Manezinho, considerando que o diâmetro do cotó que sobrou me sugere uma anatomia de dimensão muito "avantajada", acredito que possa fazer algo pelo senhor. É experimental, não garanto sucesso. Além disso deverá ser um absoluto segredo entre nós dois... O senhor concorda? É algo ético...

Esperança e Luz na Vida de Manezinho!

- Inda ficô um "tico" memo... Vai qui dá di brotá... Faiz quarqué coisa dotô! O sinhô é a minha sarvação!
- Então venha... - disse o médico.

Foi arrastado um baú que estava meio de canto, erguendo-se um alçapão oculto no assoalho. E desceram pela escada, com Manezinho atrás a balançar aquele monte de pinças presas no cotó...
O porão da casa era o laboratório secreto do Doutor Rodrigus e onde ele fazia suas experiências. As luzes foram acesas. Manezinho, ao ver aquela parafernália de vidros, metais brilhantes, um outro tanto de coisas em ebulição e uma mesa de mármore no centro, já desconfiava que ali era o Inferno e o Doutor se-lhe revelava o Próprio:

- Ói dotô, pensano mió, inté qui sê fruita num vai se ruim não... é caso de num ligá pra mode si acostumá... Padre Anacleto falô qui é mió si largá da carne pra num vendê a "arma" pro Canhoto...

O médico, com o espírito já irradiando a eletricidade da Ciência, nem atinou para as proposições teológicas de manezinho; abriu uma geladeira e deu as explicações:

- Você se lembra do "Cerquilho", aquele garanhão crioulo do Coronel Hélio Freire e que morreu na semana passada? Pois bem. O Coronel fez a gentileza de doá-lo a mim, para estudos... Eu retirei algumas partes do animal e, pelo que vejo, a mais adequada a você é essa aqui. Olhe que beleza...

O Doutor Rodrigus havia conservado a genitália do cavalo e garantia que anatomicamente as dimensões não eram muito diferentes daquela que Manezinho anteriormente ostentava. Tentaria um transplante e, se desse certo, até ficaria "melhor" que antes.
Provavelmente foi esse argumento que arrancou de Manezinho o "sim" à Ciência e o seu "não" aos sermões do Padre Anacleto; já que metido no meio do inferno, bem que poderia planejar, devidamente "armado", a plantação de uns cornos de vingança em muita gente. Assim, entregou-se nas mãos do médico e ao mundo da anestesia...
Certo é que Manezinho ficou "internado" aos cuidados do genial Doutor Rodrigus e, depois de algum, tempo teve "alta". Foi morar lá na zona da cidade, onde a mulherada da vida o ajudava na recuperação e na fisioterapia que lhe foi prescrita...
O falatório começou. Diziam que o Doutor Rodrigus tinha um "santo remédio" para renascer pingolim... Lá da zona vinham notícias de um Manezinho, exuberante, a dar gostoso cansaço na mulherada que sorria feliz; e ainda algo (muito!) "melhorado". O povo masculino, a pretexto de uma dor aqui ou outra ali, então começou a freqüentar com mais assiduidade a casa do Doutor Rodrigus, e até que já se embolava, espremendo-se todo numa confusão de empurra-empurra, desde a rua, pela disputa de suas prioridades ou mais urgências no atendimento.