17/03/2006

A Dor de barriga do Orico

Parte 3 – por Érica Antunes ericantunes@irapida.com.br

Traiz papel aí, anda logo!

Baita dô de barriga levô Orico, o contadô de causos, a entrá lá no mais famoso banheiro de Tabuí: o do boteco do Sô Josué. Boteco era coisa linda, lotadim de varejeira dentro da vitrina de pão com mortandela e lá no canto o varal das lingüiça da Dona Cris.
Sempre co lápis atrais da oreia, e nem fio de portugueis era, Sô Josué sonhava transformá boteco em venda. Enquanto servia Providença pro cego Dió, que pregava, pregava, mais no fim do dia não deixava de enchê a cara de canjebrina, falava do dia que ali naquele lado ficaria os saco de arroiz, batata, feijão e farinha. Fumo de corda no balcão, lataria na pratiera azul.

— Traiz papel aí, ó Josué, anda logo que a coisa aqui tá é feia...

Sô Josué de cara presa foi levá papel:

— Ocê divia era limpá co jornal.

Lá de dentro partiu a voiz do Orico:

— Pois si foi aquele chouriço que ocê deu preu comê que feiz isso...

Dona Cris, que até então tava quieta no canto, morrendo de vontade de ri, franziu a testa como sempre faiz quando vai dá bronca:

— Eia, minhas lingüiça é que não foro nada!
Foi aí que Manezinho entrou na história. Dona Ivani, toda religiosa, mais debaxo dos véu uma fofoqueira do caramba que não saía da janela, toda hora a cortininha mexia, mudou pra Tabuí.
Conhecia Manezinho lá da otra cidade, ficou de boca aberta quando viu o moço da voiz fininha:

— Intonci ocê veio pará aqui, Manezinho?

Manezinho desconversô, chacoalhô a cabeça e foi imbora.
Dia seguinte cidade intera sabia: Manezinho tinha voz de mulherzinha, divia sê boiola, ninguém macho andasse co’ele não.
Mais sempre tem um que gosta de inflamá, e dessa veiz foi o Zé Braz, irritadiço até cas trombança de bunda da Dona Judith:

— I si nóis tirasse isso a limpo? Vamo fazê o moço falá!
— Mais o moço num abre a boca nem que a vaca tussa desde que chegô.
— Agora anda até cumas foia di papé pra inscrevê o que qué sabê...
— Nóis dá um jeito, cês vão vê.

Notro dia, fim da tarde, povo de Tabuí suado da roça se reuniu no boteco. Sô Getúlio, otro religioso nas aparência e mais "amigo" do Manezinho, foi lá convidá o rapaiz pruma Providença:

— Meu amigo Manezinho! Vamo lá toma uma Providença, ómi!

Lá entrou Manezinho todo sujo do cabo da enxada carregado dia intero. Logo de cara viu coisa esquisita, bando de gente oiando pra cara dele. Até o Padre Anacleto se meteu no canto das lingüiça.

— Como é que vai, Manezinho?

E Manezinho feiz positivo com a mão.

— E essa força, ómi?

Balançô a cabeça.

— Perdeu a língua, fio de Deus?

Nem respondeu. Tomô a talagada da Providença e se mandô rapidim.
Zé Braz desanimô:

— Fiadaputa, não falô.

Nisso quis falá o Orico contadô di causos:
— Já sei o qui fazê.

E foi-se imbora deixando todo o mundo na curiosidade.
No otro dia tinha comício na praça da igreja. Coroné Hélio preparano eleitorado pra tirá prefeitura do Waldir do Val. Oposição da braba. Tabuí cheia de fazê gosto, todo o povaréu ali debaixo do luar e do lampião rodeado de mariposa que faziam a Euriquinha se escondê de medo debaixo da saia da mãe.
Dona Sterzinha tinha despachado o gêmeo Alvim lá pro sítio do avô, moleque endiabrado demais da conta. Inda assim sobrô Pedrim, que nem gostava de banho e vivia de zóio grudando, um porco.
Orico se aproximô do diabinho:

— Qué ganhá uma sodinha?

Moleque oiô e riu fazendo sim com a cabeça.

— Então me faiz um favô...

E carregô o menino lá pra dentro da igreja, Dona Sterzinha nem viu, era de esquerda e tava de oio no candidato. Orico engambelô guri:

— Óia, ocê vai chegá perto do Manezinho e vai fazê cócega no sovaco dele com essa pena aqui.

Diabinho feiz cara de diabinho e partiu cas mão pra trás, escondendo a pena.
Daí que Manezinho tava cos braço pro alto, cheiro inté catinguento desprendia dali, mais povo de Tabuí, à exceção de uns treis ou quatro gato pingado que comprava Gessy e Lux Luxo, já tava acostumado.
Pedrim foi devagarim, bem na hora que o Coroné Hélio pediu minuto de silêncio pra lembrá o senhor seu pai, desbravadô dos mato que originô Tabuí, tascô lá no sovaco do Manezinho a pena.
Primeiro Manezinho caiu na risada e povo todo olhô prele. Depois saiu correndo atrais do moleque, voz fininha, fininha:

— Seu fiadaputa dum capeta! Vorta aqui qui vô pegá ocê de jeito.

Dona Sterzinha se defendeu:

— Fiadaputa é ocê, cadê o respeito comigo?

Povo ficô admirado: não é que a voz do moço era fininha memo? Parecia inté com a da Lu da Legião de Maria!!!
Falatório se alongô. Povo intero comentando:

— Voiz de muié memo, ocê viu que coisa, dotô Rodrigues?

Dali pras otra maldade foi só um pulo:

— Pois é, i ocês notaro qui iele inté parece que tem peitinho?
— Já ovi falá qui iele anda di zóio no Sô Fábio!

Sô Fábio desviava:

— Sai fora, diabo, pra riba de mim é que não, violão!

Zé Braz, inconformado ainda com o fracasso da tentativa lá no boteco do Josué naquela primera veiz, tacô fogo:

— Pois vamo discubri isso intonci, uai!
— Mais di qui jeito, ómi?

Agora foi a veiz do Zé Braz fazê ar de mistério e saí deixando todo mundo sem sabê seus plano.
Pedrim foi contratado di novo:

— Ô moleque, qué ganhá um pão com mortandela?

Moleque tava já mal acostumado:

— Só se fô cuma sodinha junto.

Zé Braz coçou a cabeça, moleque disgranhento, mas topô.
Foi assim que, no otro dia, no comício do Waldir do Val, que falava empolgado dando banho de cuspe nos cidadão de Tabuí, aconteceu o inesperado!
Pedrim chegou por trás de Manezinho e baixou suas calça lá no pé! Muierada pois mão na boca, zóio bem arregalado, Lu que era moça pura virô cara pro otro lado, gritaria foi geral: PINGOLIM DO MANEZINHO TAVA DESENGAIOLADO DE TUDO!!!!
Manezinho partiu atrás do Pedrim cas calça arriada e o coitado do pingolim foi fotografado em plena corrida pelo famoso Barrox, que tirava retrato da cidade intera pra contá história dela.
O inesperado memo ainda estava por vir.
Manezinho ficô tão desesperado, tão desesperado, que correu pro primero lugar que achô pela frente e outro não foi senão o boteco do Sô Josué. Como o povo todo tava na praça, boteco tava vazio, de modo que ninguém viu o moço entrá.
Manezinho se assustô ao ver Dona Cris cozinheira no meio das lingüiça e, morto de medo que ela o visse de calça arriada, ela que era brava demais da conta, ficô escondido atrais do varal.
Acontece que bem nessa hora o povo começô a entrá no boteco. Providença daqui, pão com mortandela dali, e o comentário geral:

— Mais até que o cabra tava bem servido de cabo...
— Queria sabê onde é que ele se entocaiô...

Manezinho iscuitava tudo, bem escondido atrais do varal.
Foi então que Dona Cris apareceu e ZÁZ!!!! cortô o pingolim do Manezinho pensando que era lingüiça.
Manezinho delirô de dor mais nem gritô por causa da voz fina de mulherzinha e, agora por cima, estava sem pingolim.
Saiu de fino pela porta do lado e disparô, com a mão lá, lá pro dotô Rodrigues dá um jeito de costurá o estrago. Muierada da vida, que não sabia de nada, descobriu Manezinho e saiu atrais:

— Gostei de vê, bitelão!
— Tô precisando de um ómi, passa lá em casa!

O pobre nem oviu nada. Sumiu no mundo.
O fato é que o pingolim foi cortado e servido pro Orico contadô de causo, que tinha pedido uns petisco.
Orico comeu tudo e ainda comentô a mão boa e o tempero da Dona Cris.
Foi desse jeito que a dor de barriga atacô e lá ficô ele, até agora, de castigo na privada do boteco!
Coitadins do Orico e do Manezinho!