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28/09/2011

A jararaca da sogra


Dona Zulmira
       Esta aconteceu logo após a chamada Revolução de 64. Do Praxedes e de uma turma de uns oito companheiros, - porque falavam mal do governo -, o prefeito disse que eram comunistas e comunistas ficaram. Estavam marcados para, a qualquer hora, serem presos pelos milicos que chegariam de Belzonte. Isalaram. Cada um tomou chá de sumiço. Uns viajaram, outros foram pro mato, outros... O certo é que ninguém ficou em casa. Menos o Praxedes, que não tinha pra onde ir. Solução era arranjar doença. Inventou dor de barriga e caiu de cama. Ficava debaixo do cobertor, atento a qualquer barulho vindo de fora, suando em bicas e gemendo, para manter as aparências.
     - Se estrepou, neguinho!... - cantarolava, em ritmo de samba, toda alegre, dona Zulmira, enquanto passava pano molhado no piso da sala.
     O que o Praxedes não podia esperar era a traição da sogra que, até que enfim, arranjara oportunidade de vingança. Antipatia mútua. O genro sempre tratara dona Zulmira na base de jararaca pra lá, cascavel pra cá. Expulsara-a de casa várias vezes, obedecido em nenhuma delas, proibira-a de ir à porta da rua, regateava comida pra velha... Em resumo, viviam em guerra os dois. Pois bem. Chegou a hora de dona Zulmira ir à forra. Foi pra porta da rua cumprimentar todo passante, saber das novidades e apreciar o movimento, doida para ver chegar bando de milicos na sua porta. Como não chegavam, gritou pra vizinha de frente:
     - Ô dona Nair, dona Nair Terezinha! É verdade que tão prendeno gente?
     - Tão, sá! Tudo quanto é comunista dizem que tão levando pra cadeia...
     Praxedes, cujo quarto tinha janela pra rua, ficou mais sobressaltado com a informação. Começou a tremer debaixo do cobertor e a barriga passou a doer de verdade, abrindo precisão de ir ao banheiro correndinho. Com os ouvidos de butuca pra cima e o tiroteio saindo pra baixo, no vaso.
     - Mas, óia, dona Nair, será que já prendero muitos?
     - Ouvi dizê que bem uns cinco já tão lá na cadeia, sá!
     - Mas a senhora sabe que ainda falta gente preles prendê, né?
     - Farta quem, dona Zulmira? Sei não!...
     - Aqui em casa mesmo tem um fingino doença, - mó qui com nó na tripa - que é o maió comunista da cidade...
     Dona Zulmira disse a última frase gritando, como se quisesse ser ouvida por toda a rua. O Praxedes, lá no banheiro, já com cólica na barriga e ânsia de vômito, teve calafrio na espinha ao sentir a flechada da velha. Cortou ao meio sua precisão e correu pra cama, ainda lambuzado. Tremia tanto... Mas, de lá, tafuiado embaixo dos cobertores, respirando catinga de pum desobediente, arranjou coragem de abrir uma frestinha para respirar ar fresco e gritar pra velha:
     - Cê inda me paga, jararaca! Deixe as coisas acarmá quiocê vai vê o quequié bão pa tosse, viu?!..

07/06/2010

Tabuí pega em armas para salvar o Chile

     Época de revolução no Chile. As notícias que chegavam pela televisão e pelo rádio eram nada animadoras. Pelos jornais idem. Allende estava sendo massacrado e suas forças debandando. Foi quando começou a reação em Tabuí. Aristeu, Cozinho, Xulapa e Delei, no boteco, tomavam umas e outras e quase choraram ao ver uma gravação em que o Allende fazia um manifesto à nação. Aí resolveram que eram comunistas e que iriam ajudar o companheiro Allende.
     - Gente, isso num pode tá aconteceno! Tadinho do home!...
     - É memo, Xulapa! O quecagente faiz?
     O Cozinho que, pela aparência, era o menos bêbado dos quatro, arremata:
     - Acho mais mió a gente i socorrê o home, gente!
     - Mas, como, Cozinho? Esse país fica lá onde o vento incosta o cisco, sô!
     - A gente vamo no jipe do Delei, uai!
     Arranjaram duas espingardas de carregar pela boca, uma garrucha e um revólver, emprestados - os dois últimos sem munição - e nem foram em casa para as despedidas da famiage. Só deixaram recado no bar dizendo que iam salvar o companheiro lá no Chile. E se mandaram de jipe, das alterosas da Emigê rumo aos Andes, para enfrentar o exército chileno e resgatar o Allende, já encurralado no palácio presidencial.
     Rodaram bem umas duas léguas, com o jipe engasgando nas subidas, derramando óleo e com os pneus carecas, até que chegaram no Abacaxi e contaram pro Fiíco o motivo da viagem. Ganharam mais um companheiro que ainda chamou o Manqüeba - grande caçador de tico-tico com espingarda de chumbinho - para colaborar na perigosa missão e aumentar o poder de fogo do grupo.
     - Confofô, ieu vô... - disse o Manqüeba, arrematando - e tem golo?
     Quase escurecendo, resolveram, antes da partida para a guerra, como ninguém era de ferro e aproveitando a sugestão do Manqüeba, fazer uma despedida no bar do Bigode. Juntaram duas mesas e vai o Bigode descer cerveja e cachaça e a fritar frango e lambari que os seis entornavam e comiam num piscar d'olhos. Beberam tanto que, tarde da noite, nem conseguiram sair do bar. Aterrissaram por ali, bem trancados pelo Bigode. Este, com medo de lhe passarem a perna e preocupado porque não havia ainda recebido a conta.
     Quando acordam pelo meio da manhã, com ressaca braba e gosto de guarda-chuva velho na boca, demoram a entender o que faziam naquele lugar estranho. Aí lembram da missão, com desânimo... vão pra beira de um rádio Semp e ouvem que o Allende havia se suicidado, segundo a versão oficial.
     - Pronto, gente! Meu Deus do céu! Acabô nossa viage! O home morreu porque a gente ficamo fazeno hora e num cheguemo a tempo... mardita bebida! - choramingou o Delei, com enjôo e a cabeça estalando de dor.
     - Ô disgraça! E ieu, doido pra sê herói, quinem o Lampião, sô! Agora num vai dá mais... – constatou o Aristeu.
     Os quatro voltaram pra Tabuí a pé, - gastando meio dia de caminhada -, frustrados, revoltados, tristes e chorosos, convencidos de que, não fosse a festa de despedida, chegariam a tempo de salvar o companheiro Allende e não teriam ficado sem a condução, pois que tiveram que deixar o jipe do Delei como garantia de que um dia pagariam a conta do Bigode.
     - Mardito Bigode! Além de num intendê de patriotismo, comete a desumanidade de deixá a gente a pé!... – Reclamava o Xulapa, enquanto mancava, estrada a fora.


20/05/2010

A jararaca da sogra

     Esta aconteceu logo após a chamada Revolução de 64. Do Praxedes e de uma turma de uns oito companheiros, - porque falavam mal do governo -, o prefeito disse que eram comunistas e comunistas ficaram. Estavam marcados para, a qualquer hora, serem presos pelos milicos que chegariam de Belzonte. Isalaram. Cada um tomou chá de sumiço. Uns viajaram, outros foram pro mato, outros... O certo é que ninguém ficou em casa. Menos o Praxedes, que não tinha pra onde ir. Solução era arranjar doença. Inventou dor de barriga e caiu de cama. Ficava debaixo do cobertor, atento a qualquer barulho vindo de fora, suando em bicas e gemendo, para manter as aparências.
     - Se estrepou, neguinho!... - cantarolava, em ritmo de samba, toda alegre, dona Zulmira, enquanto passava pano molhado no piso da sala.
     O que o Praxedes não podia esperar era a traição da sogra que, até que enfim, arranjara oportunidade de vingança. Antipatia mútua. O genro sempre tratara dona Zulmira na base de jararaca pra lá, cascavel pra cá. Expulsara-a de casa várias vezes, obedecido em nenhuma delas, proibira-a de ir à porta da rua, regateava comida pra velha... Em resumo, viviam em guerra os dois. Pois bem. Chegou a hora de dona Zulmira ir à forra. Foi pra porta da rua cumprimentar todo passante, saber das novidades e apreciar o movimento, doida para ver chegar bando de milicos na sua porta. Como não chegavam, gritou pra vizinha de frente:
     - Ô dona Nair, dona Nair Terezinha! É verdade que tão prendeno gente?
     - Tão, sá! Tudo quanto é comunista dizem que tão levando pra cadeia...
     Praxedes, cujo quarto tinha janela pra rua, ficou mais sobressaltado com a informação. Começou a tremer debaixo do cobertor e a barriga passou a doer de verdade, abrindo precisão de ir ao banheiro correndinho. Com os ouvidos de butuca pra cima e o tiroteio saindo pra baixo, no vaso.
     - Mas, óia, dona Nair, será que já prendero muitos?
     - Ouvi dizê que bem uns cinco já tão lá na cadeia, sá!
     - Mas a senhora sabe que ainda falta gente preles prendê, né?
     - Farta quem, dona Zulmira? Sei não!...
     - Aqui em casa mesmo tem um fingino doença, - mó qui com nó na tripa - que é o maió comunista da cidade...
     Dona Zulmira disse a última frase gritando, como se quisesse ser ouvida por toda a rua. O Praxedes, lá no banheiro, já com cólica na barriga e ânsia de vômito, teve calafrio na espinha ao sentir a flechada da velha. Cortou ao meio sua precisão e correu pra cama, ainda lambuzado. Tremia tanto... Mas, de lá, tafuiado embaixo dos cobertores, respirando catinga de pum desobediente, arranjou coragem de abrir uma frestinha para respirar ar fresco e gritar pra velha:
     - Cê inda me paga, jararaca! Deixe as coisas acarmá quiocê vai vê o quequié bão pa tosse, viu?!..






22/11/2008

Tabuí pega em armas para salvar o Chile

Época de revolução no Chile. As notícias que chegavam pela televisão e pelo rádio eram nada animadoras. Pelos jornais idem. Allende estava sendo massacrado e suas forças debandando. Foi quando começou a reação em Tabuí. Aristeu, Cozinho, Xulapa e Delei, no boteco, tomavam umas e outras e quase choraram ao ver uma gravação em que o Allende fazia um manifesto à nação. Aí resolveram que eram comunistas e que iriam ajudar o companheiro Allende.
- Gente, isso num pode tá aconteceno! Tadim do home!...
- É memo, Xulapa! O quecagente faiz?
O Cozinho que, pela aparência, era o menos bêbado dos quatro, arremata:
- Acho mais mió a gente i socorrê o home, gente!
- Mas, como, Cozinho? Esse país fica lá onde o vento incosta o cisco, sô!
- A gente vamo no jipe do Delei, uai!
Arranjaram duas espingardas de carregar pela boca, uma garrucha e um revólver, emprestados - os dois últimos sem munição - e nem foram em casa para as despedidas da famiage. Só deixaram recado no bar dizendo que iam salvar o companheiro lá no Chile. E se mandaram de jipe, das alterosas da Emigê rumo aos Andes, para enfrentar o exército chileno e resgatar o Allende, já encurralado no palácio presidencial.
Rodaram bem umas duas léguas, com o jipe engasgando nas subidas, derramando óleo e com os pneus carecas, até que chegaram no Abacaxi e contaram pro Fiíco o motivo da viagem. Ganharam mais um companheiro que ainda chamou o Manqüeba, - grande caçador de tico-tico com espingarda de chumbinho -, para colaborar na perigosa missão e aumentar o poder de fogo do grupo.
- Confofô, ieu vô... - disse o Manqüeba, arrematando - e tem golo?
Quase escurecendo, resolveram, antes da partida para a guerra, como ninguém era de ferro e aproveitando a sugestão do Manqüeba, fazer uma despedida no bar do Bigode. Juntaram duas mesas e vai o Bigode descer cerveja e cachaça e a fritar frango e lambari que os seis entornavam e comiam num piscar d'olhos. Beberam tanto que, tarde da noite, nem conseguiram sair do bar. Aterrissaram por ali, bem trancados pelo Bigode com medo de lhe passarem a perna e preocupado porque não havia ainda recebido a conta.
Quando acordam pelo meio da manhã, com ressaca braba e gosto de guarda-chuva velho na boca, demoram a entender o que faziam naquele lugar estranho. Aí lembram da missão, com desânimo... Vão pra beira de um rádio Semp e ouvem que o Allende havia se suicidado, segundo a versão oficial.
- Pronto, gente! Meu Deus do céu! Acabô nossa viage! O home morreu porque a gente ficamo fazeno hora e num cheguemo a tempo... Mardita bebida! - choramingou o Delei, com enjôo e a cabeça estalando de dor.
- Ô disgraça! E ieu, doido pra sê herói, quinem o Lampião, sô! Agora num vai dá mais... – constatou o Aristeu.
Os quatro voltaram pra Tabuí a pé, - gastando meio dia de caminhada -, frustrados, revoltados, tristes e chorosos, convencidos de que, não fosse a festa de despedida, chegariam a tempo de salvar o companheiro Allende e não teriam ficado sem a condução, pois que tiveram que deixar o jipe do Delei como garantia de que um dia pagariam a conta do Bigode.
- Mardito Bigode! Além de num intendê de patriotismo, comete a desumanidade de deixá a gente a pé!... – Reclamava o Xulapa, enquanto mancava, estrada a fora.