07/04/2013

A PORTA ISCANGAIADA




E foi na noite de sexta-feira santa que tavam o Cláudio, a Mariazinha e o filhotinho de sete anos vendo televisão, conversando e tomando umas cervejinhas e um guaraná. Tudo coisa mais inocente deste mundo de Deus, em respeito ao dia em que se comemora a morte de Cristo. Quase meia noite aparece um rato vindo lá do Córrego das Almas e a Mariazinha, desacostumada com esses trens, apronta escândalo. Menino pula no colo da mãe. O Cláudio, mais pra lá do que pra cá, depois de umas quatro ou oito cervejas, quis correr. Mas pensou melhor e, envergonhado, viu que não pegava bem. Resolveu enfrentar o ratinho. O danadinho do bichinho, assustado, correu pro lado da cozinha. Era o que Claudio queria. Fechou a porta que dava pro resto da casa, não sem antes chamar a mulher como companhia. O filho a tiracolo. Encantoou o rato. A Mariazinha com o filho já tavam em cima do tamborete. Com a vassoura numa mão e um espeto de churrasco na outra, Claudio ficou valente.
E começou a gritaria, cada um se esgoelando mais que o outro.
- Ô desgraça! – gritava o Cláudio e metia vassourada no fogão.
- Socorro! – gritava a Mariazinha.
- Vem agora que eu te mato! – Outra vassourada no pé da mesa. Era uma vez um cabo de vassoura...
- Virgem santíssima! Meu Deus do céu! – Nessa hora quem tava com o espeto de churrasco já era a Mariazinha.
- Fura a barriga dele, mãezinha! Enfia o espeto nele!... Era o herdeiro, querendo ajudar, grudunhado no pescoço da mãe.
- Vô te matá! Vô pegá o facão, sô feladamãe!... Passa aqui travêiz, passa!...
- Ai, meu Deus, quieu vô morrê!... – Era a Mariazinha, já querendo desmaiar...
Nem preciso dizer que a gritaria, em plena noite de sexta-feira santa – no interior, naquele tempo, o povo respeitava o silêncio recomendado pro dia – acordou a vizinhança. Só que os vizinhos não sabiam que se tratava de um rato. Pensaram foi coisa bem pior.
- Benhê, o Craudio tá quereno matá a Mariazinha!... Corre lá, home!... – Foi assim que a Malvina acordou o José Padre Nosso, seu marido, dando-lhe um cutucão.
- Vô é nada, sá! In briga de marido e muié a gente num mete a cuié!...
Mas não deu outra. Apareceram bem uns quinze vizinhos no alpendre da casa do casal gritento, prontos para arrombar a porta enquanto, lá dentro, a gritaria continuava. E junto com o arrombamento, veio o silêncio.
- Gente, Mariazinha morreu! – concluiu a Malvina, que, da sua casa, começou a telefonar pra família da falecida para avisar.
Morreu foi nada. Graçadeus.
Assim que os vizinhos arrombaram a porta e correram pra cozinha, tavam lá, rindo, a Mariazinha, o filhotinho e o Cláudio, agachados, em volta da bacia d’água em que o marmanjo lavara os pés ao anoitecer, apreciando o ratinho nadando e tentando fugir. Mas, a cada tentativa de sair, ele escorregava e caia novamente na água.
Tudo explicado, o Cláudio ainda teve o desplante de reclamar:
- Agora quero vê quem vai pagá a minha porta iscangaiada!...

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