Zé da Zabé era o mendigo mais conhecido de Tabuí. Dono de ponto de mendicância na porta da matriz. Dali ninguém o tirava. Era ali que se tornara conhecido e puxava o saco da gente fina e religiosa, gentalha de bem. Suas relações com a sociedade local eram excelentes.
Todo mundo que ia rezar, ao entrar ou sair da igreja, se condoía ao ver aquelas feridas em carne viva na perna do Zé da Zabé. E ele fazia questão de deixar a barra da calça levantada para que todos as vissem e a dor fosse do coração ao bolso de cada um.
- Onde cê arrumou essas feridas, Zé?
- Sei lá! Parecero c'o tempo. Umas borboinha que foro cresceno!...
- Tem que tratá disso, Izé!... Inhantes que vire coisa pió!...
- Carece não! É firida parada. Tantão de tempo que tá anssim! Num miora nem piora!...
Foi aí que entrou na história o doutor Honório. Médico antigo que conhecia as doenças de cada um na cidade, um dia resolveu tratar do Zé da Zabé.
- Picisa não dotô! Essas pustema minha só sara quando a terra cumê!
Depois de muita discussão o médico, nervoso com a teima, falou quase ordenando:
- Vai lá no meu consultório que quero ver isso, Zé!
- Tá bão dotô, ieu vô!
Foi nada. Zé da Zabé cortava voltas manquitolando rua a fora só para não topar com o doutor Honório. E este, só assuntando, assistindo ao ressabiamento do mendigo que recusava seu gesto de caridade.
Certo dia, quando o Zé passava perto do hospital, assim bem na porta, encontrou de supetão o velho médico. Não teve conversa. Foi levado para uma sala, meio na marra, pelo doutor Honório que não entendia como alguém doente queria permanecer com doença.
- E aí, senhor Zé? Como vão as feridas?
- Tintiano dotô! Dói, não dói, dói um poco...
- Pois é Zé! Tem que cuidar disso logo! E vai ser agora antes que vire coisa pior.
- Não dotô! Carece não! Xapralá! Num é firida de criá bicho não! É firida parada mermo!...
Enquanto ele dizia isso, ia escondendo a perna das vistas do doutor e tentando baixar a barra da calça.
- Mas eu vou curá-lo, Zé!
- Deus lhe pague a bondade dotô, mas firida parada num tem cura mermo não!
O médico foi assentando o Zé da Zabé, assim meio sujigado, numa maca, e tratou logo de ir tirando as tiras, mulambos e langanhos que cobriam aquelas pustemas todas, enquanto o pobre do mendigo esperneava e reclamava meio nervoso, meio brabo, meio respeitoso e tremelicante.
- Picisa não dotô!... Quero ficá anssim mermo! Me dexa, diabo! Perdão dotô! Quero í'mimbora!
Foi aí que começaram a cair pelo chão as feridas do Zé. Pedaços de carne crua, cortados bem fininhos e presos cuidadosamente pelas tiras de pano à sua perna que estava sãzinha.
Doutor Honório, fulo de raiva, queria dar uns petelecos no falso mendigo. Zé da Zabé mal teve tempo de pular da maca e ganhar o mundo.
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