A
sogra do Capistrano morreu, depois de sofrimento silencioso de vários anos,
dele. Tabuí raramente tinha defunto. Quando aparecia um, alguém da família precisava
mandar roçar o mato do caminho do cemitério para enterro chegar. Prefeitura não
se dignava a ter esses mínimos cuidados para o bem-estar da comunidade. Vassourão,
assa-peixe, vassourinha, carrapicho, gabiroba e mais um monte de ramos e
arbustos iam crescendo, sem ordem nenhuma. Quanto mais tempo demorava a chegar
defunto, maior e mais espesso o mato era.
Aí
o Capistrano teve que enfiar a mão no bolso e gastar uns cobrinhos quando contratou
o Fiíco a fim de passar a foice no matagal pra sogra ser enterrada o mais
depressa possível. Quanto mais ligeiro fizesse o serviço, mais rápido ficaria
livre da encrenca de tantos anos. Quatro da tarde, tão lá umas doze ou quinze pessoas
levando dona Esterlita pra última morada. Companheirada do Capi, pois que este
era o apelido de Capistrano, tá junto pra dar uma força pro colega de copo. Pra
carregar a véia ele bota Misael, Manel, Juvenal e Risael que, junto com Capi,
formavam a quintilha do copo. Só que o Manel já tava trocando as pernas e foi
bem na entrada do cemitério que ele deu de tropeçar num toco de assa-peixe. No
tropeção o caixão caiu, abriu e dona Esterlita amontoou lá na frente e, pra
desespero do Capi, levantou e saiu andando.
O
susto de todo mundo foi grande demais da conta, mas a decepção e a descrença na
vida, sofridas pelo valente Capi, foram sem comparação. A velha tivera ataque
de catalepsia e ninguém notara a falta de morte verdadeira. Voltou pra casa
para aporrinhar a vida do Capistrano por mais uns tempos. O dia inteiro
reclamando, sem falar nas pirraças com o coitado do genro. Limpar boca e nariz
com pano de prato ou na toalha da mesa, deixar acesas as lâmpadas da casa sem
necessidade, impregnar os lugares por onde passava com o odor do seu perfume
barato, manter cachorro pulguento e sem banho dentro de casa, limpar os dentes
com a unha do dedo mínimo, usar o banheiro ou pentear o cabelo e depois ir para
a cozinha sem lavar as mãos, e tudo, tudo o que acontecia ou que ela via, lá no
Norte era melhor, mais bonito ou acontecera diferente. Afff!
Passa
um ano, morre de novo a sogra, depois de tanto sofrimento, novamente dele. Capi
nem acredita. Ausculta a adversária, põe espelhinho no bafo, sacode a velha e
nada... Morreu mesmo, de morte verdadeira. Lá vai Fiíco de novo fazer o roçado e
o enterro marcado para as quatro do mesmo dia. Capi, com medo de outro
acidente, nem quis saber de Manel carregando a defunta. Botou um abstêmio no
lugar. Agora a turma no enterro era maior, todo mundo querendo conferir se a
velha ia de fato comer capim pela raiz. Mas Capi, que não era bobo e sim muito
desconfiado e prevenido, foi na frente dos carregadores da defunta e, na
entrada do cemitério, avisava quase que implorando:
-
Gente, o toco!... Cuidado com o toco, viu gente!?...
2 comentários:
kkkkkkkkk... muito bom esse causo, paipai!
Olá Eurico,
Tempão que não passo por aqui, mas seu espaço continua ótimo e sempre engraçado. Parabéns,
Dalinha
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