20/07/2008

A voz que veio do além

Em Santa Maria do Tabuí, há muito tempo, seu Nicolino era o padeiro. Baixinho, rechonchudo e careca. Um batalhador. De domingo a domingo, saía no lusco-fusco da madrugada para entregar o pão que iria forrar o estômago de muito cidadão tabuiense.
Seis horas de uma manhã cinzenta e triste, daquelas que prenunciam tempestade. Lá ia o Nicolino, passando pelo velho cemitério, carregando nas costas um bitelo dum jacá cheio de pães ainda quentinhos. Ninguém pelas redondezas. Nenhuma alma viva a não ser ele. De vez em quando o Nicolino, como que para espantar algum fantasma, gritava:
- Padeiro-ô-ô!...
Bem ao lado do cemitério mal cuidado, com os muros caindo, Nicolino, meio ressabiado, teve a impressão de ter sido chamado lá de dentro. Arrepiou-se todo. Mas controlou-se, equilibrou o coração e o jacá na cabeça. Ia saindo de fininho quando ouviu uma voz fraquinha, como um sopro de alma sem descanso, perguntar de dentro do cemitério:
- Tem pão dormido?...
O Nicolino empacou. Cortou a respiração enquanto o coração ficava descontrolado, a mente queria ganhar mundo e as pernas viravam molambo. Tentou andar, mas não conseguiu. O jacá de pães parecia pesar toneladas.
Assim que conseguiu botar em ordem o pensamento e começar a ganhar cor novamente, ouviu a mesma vozinha sem-vergonha:
- Tem pão dormido?...
Foi a conta para o coitado do padeiro. Pinchou bem longe o jacá de pães e... Sebo nas canelas, rua abaixo, numa correria despinguelada. Os cabelos que ainda restavam na cabeça lustrosa lembravam um porco espinho.
E enquanto corria com as pernas curtas e balançando a pança, uma sonora gargalhada estridente quebrou o silêncio do cemitério deserto. Mais tarde, quando tudo se esclareceu, seu Nicolino queria porque queria dar um tiro no pobre do coveiro que acordara de madrugada para trabalhar, estava com fome e apenas queria comer um pãozinho mais barato, o pão dormido...

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