07/03/2013

A SOGRA DO ZÉ DO ZÓIO

     Vida mansa. Um dia comia bem, outro mal, mas não reclamava. Tintiando sempre. Maior trabalho era buscar lenha, ali mesmo no mato do corgo, pra fazer o de comer. No pensamento, homem conformado.
     - Levo vidinha simprória quisoveno, cuessa muiezinha feia quinté dói, mas que foi meu Deus quem me deu, uai!...
     Mulher também não reclamava da vida não. É baxo! Feia de cara, mas muito boa pessoa. Tinha dias que Zé do Zóio tirava para dormir. Noutros, para contar as moscas varejeiras que chegavam no seu terreiro, atrás do mau cheiro deixado pelos restos de peixe que a mulher jogava em qualquer canto. Era o que naquela casa mais se comia. Dava pouco trabalho pescar. Foi de tanto contar moscas e segui-las no seu vôo pra lá e pra cá, - dizia o povo -, que ele ficou com o olho torto e ganhou o apelido. Em resumo, a gente pode dizer que Zé do Zóio vivia quase tranqüilo na sua casinha, de pau-a-pique e chão batido, na beira do corgo, ao lado da estrada.
     Vivia. Porque, depois que ganhou na loteria, com aquela tantada de dinheiro, vida só mudou. O terreninho em volta da casa virou fazenda da melhor qualidade. A casa continuou no mesmo lugar, só que toda incrementada, grandona, de tijolo e telha e muito colorida. Encheu a fazenda de boi, porque não queria nem pensar em puxar enxada mais não, comprou jipe e carro fechado, último tipo, pros passeios com a patroa. Mandou até buscar a sogra pra participar da fartança.
     Foi nessa quadra que apareceu o Godofredo, o amigo da onça lá da cidade, com a pergunta mais esquisita prum cristão não muito convicto.
     - Izé, cê já tem uma amante?
     - Ãhn?... Ieu? Quequéisso?... Tenho não, sô! Tenho vergonha dimai da conta!...
     - Ó, Izé... cê é um home rico e todo home rico tem uma amante, asveis até mais de uma, sô! Cê já pensou ter uma menina nova só para fazer as suas vontade, tudo no escondidinho?!....
     O Zé do Zóio ficou parafusando, pensando naquilo, como havera de ser. Teve até dor de cabeça. Durou tantico de nada, deu jeito de voltar à cidade e foi atrás do Godofredo para assuntar mais daquele trem. Foi batata.
     - E aí, Izé? E a amante?
     - Amante? Tem quem mi qué não, sô!
     - Tem sim, rapaiz! Cê quessa grana toda, basta querê... já pensou uma menina nova esperano ocê de braços e pernas abertas e aquela quentura quisó?...
     A semente, pelo Godofredo, fora relançada. Zé do Zóio ficou mais vesgo, engoliu em seco, quase teve engasgo e suava frio enquanto enfiava as mãos nos bolsos para esconder protuberânciazinha que, decadente, ressuscitava. Passou semana sem dormir direito até que, na tarde do sábado, arranjou desculpa para ir sozinho à cidade. No carrão. Lá num boteco do canto suspeito de uma rua suspeita, mira nos olhos da primeira sirigaita que lhe pareceu ajeitada.
     - Cê me dá uma arruela de proseio, moça?
     E ajeitou namoro escondido, com promessa de montar casa. Naquela noite a mocinha, agradecida, fez Zé do Zóio, dentro mesmo do possante, ver estrelas, sair do atraso e ficar de quatro, apaixonado.
     - Ai, meu Deus, ela é cherosa cumas frô da noite!... Mai qui belêzz!...
     Voltou tarde da noite para casa e fez como no filme da televisão. Tirou botinas para entrar no quarto, onde Maria roncava, a fim de não fazer barulho, deitou-se e dormiu como um anjo, sonhando com a namorada e com o pinto ardendo, de tão esfolado.
     No domingo cedo, Maria quer porque quer ir com a mãe pra missa.
     - Izé, vão pra igreja pramodi ovi missa!
     O Zé, mal tem tempo de tirar a remela do olho e pisa fundo no acelerador do possante que sai trepidante estrada esburacada a fora. Mulher na frente, sogra atrás. Foi aí que Zé do Zóio viu, num relance, com o olho que olhava escanteado, o sapato vermelho de mulher, aparecer debaixo do banco da Maria. O homem teve batedeira, ficou branco, roxo e vermelho e começou a suar frio. O pensamento indeciso e confuso impedia-o de achar uma saída. Remoia as idéias na cabeça e nada. Até que viu o cachaço, dos mais bem nutridos, à beira da estrada, cheirando as coisas de umas marroas e não teve dúvida.
     - Muiés! Óiem o cachaço do cumpade Belarmino... que belezura!...
     Foi a deixa. Enquanto Maria e sogra olhavam pro lado da porcada, o Zé pegou o sapato que achava ser testemunha da sua noite de orgia, e, feito um raio, pinchou-o no mato, riso maroto e suspiro aliviado. Ao chegarem à igreja, todo cerimonioso, abre a porta pra Maria descer e vão subindo a escada. Como a sogra não os acompanhava, param e ficam esperando, esperando...até que não deu mais. Zé perde a paciência, não agüenta e grita pra velha:
     - Ô dona Ermê, anda digero! Sinhora vai ficaí? Vem pa dem da igreja!
     A velha, vermelha, afobada, abafada, suando e em posição incômoda, quase de quatro, ainda dentro do carro, responde, com um sapato vermelho na mão:
     - Ó, Izé, péra um cadiquim, home! Tô percurano meu otro sapato e num há meio de achá o trem, sô!

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