- Como Fofó não tem mais mió. Ôta home bão, sô!
Era assim que a turma chamava Fofó, o companheiro humilde, sério, bom exemplo e pau pra toda obra. Ninguém mais conhecido, estimado e querido por todos os filhos de Tabuí. Mais pelo que não dizia do que pelo vice-versa.
O único defeito de Fofó foi ter casado com a Aniceta, a cabeleireira mais afamada da cidade que – sinal dos novos tempos - ganhava muito mais que o marido. Mas aí é que a porca torcia o rabo. Mulher difícil, arrogante e que falava de tudo e de todos, por todos os cotovelos. Fofó não fazia nada sem pedir a benção da dona Aniceta. Mesmo com opiniões erradas e contraditórias, tinha que ser daquele jeito. Por isso, ele foi ficando homem triste, de tanto sofrer nas unhas daquela encrenca.
Fofó comerciava na sua venda, ali na esquina da Rua do Comércio com a do Assobio, secos e molhados, mas, tinha dia, não vendia nem um e nem outro. Vez por outra matava um capado e colocava as bandas de toucinho, costelas, suã, pernil, lingüiça, chouriço, e tudo o mais que tivesse direito, sobre o balcão para atiçar a freguesia. Nos tempos livres, quase o dia todo, tocava, na gaita desafinada, os boleros mexicanos. Fora com essa gaitinha, tocando “Las Mañanitas” que conquistara a Aniceta numa noite de serenata e muita pinga e torresmo como tira-gosto. Era também com a gaitinha que Fofó às vezes conseguia acalmar Aniceta quando ela aprontava fuzuê pra cima dele. A venda, nos finais de tarde, era ponto obrigatório para quem quisesse saber das novidades da cidade, uma vez que lá todo assunto era discutido. Não que Fofó fosse fofoqueiro. Não. Da boca dele, não saía um a. Mas o povinho tinha jeito não. Tretou, relou, nomes das pessoas mais insuspeitas iam pra boca do mundo, enquanto Fofó ficava pra cá e pra lá, vendendo suas coisinhas ou fazendo frin-fron.
Apesar dos pesares, o casal levava vida confortável, muito mais pelo trabalho dela, já que as mulheres da cidade, ultimamente, andavam querendo ficar cada vez mais bonitas pros seus homens, com os cabelos cheios de tinta e de cortes modernos. Assim, Aniceta ganhava uns bons troquinhos.
Foi observando isso que um dos amigos do Fofó resolveu dar-lhe uma alfinetada:
- Fofó, ocê anda cheio da bufunfa, heim, sô?
- Quem? Ieu?
- É, home! Fiquei sabendo quiocê tá cheio da grana.
- Isso é lorota, sô! Se num sesse a boca de cabelo da Aniceta eu tava falido, home!
Numa tarde chuvosa e fria quando a pinga já tava rolando e o assunto escasseava, a dona Jaquelina, que fora comprar umas peles de porco mode fritar, começou a falar em sofrimento, carestia, pobreza, falta de leitura e mais outras tristezas. O tema pegou fogo. Uns falavam das injustiças, outros de mais misérias e outros de montão de doenças. Mas o Dionésio, vendedor de balas e bolachas, abismado com a fofocaiada, tentou contornar o assunto com uma ênfase espiritual e, filosoficamente, argumentou:
- Gente, nos sofrimentos e nos espinhos da vida é que colhemos as mais lindas flores. Isso tudo que a gente lamentamos não é nada. Muito mais do que isso Jesus Cristo sofreu!...
Foi aí que o sô Fofó, meio que distraído, mão no queixo e cotovelo fincado no balcão, aprumou o corpo, passou a mão no cabelo alisado à força, piscou um olho, levantou a sobrancelha e deu sua opinião - não sem antes olhar na porta para ver se a mulher não estava chegando - que calou todo mundo:
- Mais, ô minha gente, óia aqui, ó! Meu Jesuscristinho não sofreu tanto assim. Ele não era casado com a Aniceta!... Ó céus! Ó vida! Ó cruiz!...
Mas como nesta vida tudo muda, quase tudo acaba, Fofó, quase vinte anos mais velho que Aniceta, esticou as canelas. O amigo Dionésio resolveu prestar uma última homenagem ao falecido, colocando, sem que ninguém notasse, a gaita entre as pernas do defunto. Mas Aniceta viu. E, já com saudade do frin-fron, chorando e falando alto, exclamou:
- Oh, meu Deus! Como é a vida! O que eu mais gostava está indo embora entre as pernas do meu Fofó!
2 comentários:
Tadinha da Aniceta... ficou sem a gaita... rsrs
Adorei esse, pai! E o desenho, está ótimo! Saudades de Fofó!
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