08/10/2009

Aprendendo com a vida, aos trancos e barrancos

Para quem pensa que vida no interior é uma chatura só, muito se engana. Chatura é viver na cidade grande, cercado de carro e prédio e povo. Ninguém conhece ninguém. Aqui não. É um povo unido, alegre, vivendo com dificuldade, mas com muitas histórias para contar aos filhos. Tem aqui muita gente espirituosa, sempre inventando manhas pra rir da cara uns dos outros.
Outro dia, por exemplo, aprontaram uma com o Tadeu. Menino bão demais da conta, rezador, coroinha até, filho de mãe rigorosa e pai trabalhador.
- Tadeu, vai ali na rua do Comércio e descubra pra mim quanto custa um martelo para desentortar vidro...
- Hãn? Martelo? Pra desentortá vridro? já vô!
Quem pediu foi o Casemiro, sapateiro que vivia à custa de botar meia sola em sapatos furados nas ruas cheias de cascalho e poeira de Tabuí e que, enquanto trabalhava, enchia os ouvidos do Tadeu de potoca.
A rua do Comércio tinha umas duas ou três lojas. O Tadeu foi em todas até que, na sua simploriedade, depois de muito rirem da cara dele, descobriu que não existe o tal martelo desentortador de vidro. Aprendeu com a vida. Diferentemente da última vez, que foi no tapa. O Casemiro avisara pra ele e pro Geraldinho, debaixo de segredo, que, no Mercado da Linha, tavam contratando um menino para desentortar banana e que, daquele dia em diante, só iria vender banana reta. Os dois, doidos por uma graninha, saem na maior correria e, no meio do caminho, após se insultarem, começam a briga.
- O emprego é meu!
- Seu nada! É meu, seu viado!
Isto dito enquanto corriam ladeira acima, soltando os bofes. Aí, pararam e partiram para os tapas e pescoções e rolaram pelo chão, até que chegou a turma do deixa disso, inclusive o dono do Mercado da Linha.
- Não. Não tenho esse emprego não. Vou continuar vendendo banana torta mesmo!... - E caiu na risada, assim como a platéia que se formara, até o Casemiro que chegara a tempo de curtir a cara de sério dos dois briguentos.
Naquele dia, assim de tardezinha, chega na cidade o Niltão da Filó, montado numa égua mojando, bem adiantada. Niltão não se importava muito de dar carinho pros animais não e, talvez pelo excesso de esforço, a bichinha teve cria, que nasceu morta, bem na praça da matriz. Com preguiça de carregar dali o podrinho morto, chamou o Geraldinho e falou:
- Lá no açôgue Vaca Profana tão comprano bezerro e cavalo novo pra fazê sarsicha. Pudrinho nascido morto, então, vale o drobo pelo quilo. Vai lá! O que ocê conseguir é seu...
Geraldinho juntou com o Tadeu, com quem já tinha feito as pazes, e chamaram mais uns cinco moleques. Foram, rua acima, puxando a carga, que colocaram sobre um couro de boi. Enquanto subiam a ladeira, faziam planos do que fazer com a dinheirama que ganhariam. Até que descobriram a cilada em que caíram, pois que, no Vaca Profana, receberam foi um xingatório, indigno de nota, do açougueiro, puto da vida de ter, à sua porta, aquela imundície virando carniça.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito, muito bom, esse causo! Deu pra imaginar cada cena, e a cidadezinha inteira, é claro!...

Edmilson disse...

"se queres alcançar o mundo, escreve sobre tua aldeia". Estive lendo alguns textos no "Recanto das Letras", pelo que vejo estás conseguindo o seu objetivo. Parabéns.

Unknown disse...

Uma gracinha esse causo, Eurico!

Vai ficar para a História!

Beijos

Mirse