- Rapaz, sabe adundé qui’eu moro? Em Tabuí, uai! Sou filho de lá. Lá me nasci e lá me criei... Minha parentaia mora toda lá... Ieu? Não senhor. Trabaio inda não. Patrão só qué pagá micharia. Como quem trabaia de graça é relógio, prefiro aguardá. Enquanto isso, vô tocano minha dirdas, chamano urubu de meu louro...
Isso era o papo do Letsgo, orgulhoso do seu berço, com um estranho, colega de infortúnio. Infortúnio, porque estavam viajando de trem de ferro, um misto de carga com boi e passageiros. Puxado por uma maria fumaça desconjuntada, ofegante e mal das rodas. Nos dois últimos vagões, os de passageiros, só um banheiro fedido para atender a tantas necessidades. Gente dando enjoo e chamando o juca. Não, sô! Só vendo o sofrimento de todo mundo. Aí, o Letsgo, para não sentir mal, enchia o ouvido do companheiro de viagem de potoca, aumentando ainda mais o seu infortúnio.
- Ó, lá em Tabuí, todo mundo assim mais de bem, mais da alta, é meu parente. Ispia só. Meu pai é militar aposentado. Minha tia mais velha é diretora do grupo escolar. Meu tio-avô Florêncio é empresário, dono de pedreira. O outro tio, o Lebideu, vive de passado, pois é professor de História. Meu cunhado é dono do posto de gasolina. Meu outro cunhado é sacristão. Um outro é sócio do clube... . E tenho um primo que é aviador. Até meu padrim Feverêncio - o senhor sabe que quem tem padrim rico, não morre pagão, né? - é dono de um carrinho de pipoca. Oto padrim meu é comerciante, dono da Loja Gambira mas, coitado, vive no preju, pois, como o senhor sabe, quem trabalha no comércio, nunca vive sossegado; quando escapa do ladrão, cai no gorpe do fiado...
E Letsgo não parava de falar. Até que alguém toca no seu ombro. Ele olha e vê o seu conterrâneo, o Himineu, que, pelo jeito, tinha ouvido todo o monólogo.
- Óia, Lets, sei que seu pai já foi puliça, o seu tio vende cal da pedrera, aquele cara que robou sua irmã era o sãocristão, mas nunca ovi falá quiocê tem um primo aviadô...
- Ih, sô! Ingano seu, Himineu! Cê num cunhece puracaso o Ispedito? O aviadô de receita lá da Farmácia do Povo? Pois é. Ele é meu primo, uai!...
3 comentários:
Que imaginação! que vida boa!
Eurico, cada vez melhor. Ieu que sempre quis casar com aviador. Acho que vou praí?
Genial
Beijos, amigo!
Mirse
Mirse, se você vier depressa, o aviadô de receita lá da farmácia ainda tá solteiro. Corre!
Ah não, ese eu não quero!
Quero um aviador, um comissário de bordo, todo arrumadinho e passando meses fora de casa, e na chegada trazendo presentes. Beijinhos e abraços e voa de novo, que não gosto de encosto.
Beijos
Mirse
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