25/08/2008

Toró não é Garoa nem Dorô é Procissão

A procissão ia passando solenemente, molenga, pelas pacatas e tortuosas ruas de Tabuí. Muita gente devota. Vigário, coroinhas, beatas, banda de música e matracas a matraquear em homenagem ao Senhor morto. Procissão do Enterro. Plena Semana Santa. Tardezinha. Quase escurecendo.
Povão todo com velas acesas. Irmandades de tudo quanto é nome acompanhavam entre as duas alas da procissão, o esquife mortuário. Senhoras piedosas desfiavam as contas do rosário. Moças casadoiras, véu branco na cabeça, com os olhos enviesados para a outra fila, a dos homens, onde poderia aparecer algum candidato mais bem apessoado.
E lá na frente da procissão ia o Doroteu, vulgo Dorô. Cabelo pretinho, tingido na véspera, para combinar com o paletó. Era o membro mais devoto da Irmandade do Santíssimo. Todo empertigado, caminhando mais duro que santo em procissão, envergando uns enfeites avermelhados por sobre o paletó e o emblema da Irmandade bordado na altura do peito. Sua função era carregar a cruz, pesada pra dedéu, auxiliado por quatro ajudantes. Cada um dos quatro segurava uma corda amarrada à cruz para impedir que ela tombasse deixando o Doroteu em apuros.
O peso da dita cuja era tanto que o nosso herói mal conseguia disfarçar alguns gemidos. Não tinha condições de fazer nenhum movimento, a não ser andar rijo e vertical como uma estátua, sem nem poder virar a cabeça, igual burro de carroça.
Mas tudo ia muito bonitinho, dentro dos conformes, até que começou o aguaceiro. O toró caiu de repente apagando a velaiada e pondo todo mundo a correr. Tudo no maior respeito. Muito silenciosamente. Cada um encontrou casa ou um canto qualquer para não se molhar. O corpo de Cristo achou abrigo debaixo do primeiro alpendre que apareceu. Até o vigário, o Padre Anacleto, com medo de resfriado, concluiu que não era nada demais esperar passar a tempestade dentro do açougue aberto às pressas pelo dono. Ficou lá, paramentado, no meio daquela carnaiada toda.
Só Doroteu é que não viu o corre-corre e nem a fuga dos seus ajudantes. Não podendo olhar de lado e nem para trás e sem desconfiar do que acontecia, continuou sozinho, tomando chuva no lombo. Da cabeça escorria um caldo preto. Ele nem notava. Todo serioso fez o percurso combinado, realizando por conta própria a procissão do eu-sozinho. Sem velas, sem banda de música, sem vigário, sem gente, sem nada...

7 comentários:

Dalinha Catunda disse...

Pois é Eurico, cada um com sua cruz. Mas com todo respeito, o Doroteu levou foi pau mesmo!!! Explico: Um pau d'água.
Um abraço,
Dalinha

Unknown disse...

Pois, pois, Dalinha! Doroteu se estrepou mesmo, né! Um homem santo aquele meu amigo, ali do Beco do Mijo.

Jaqueline Amorim disse...

Coitado do Dorô... huashuashuas...
Amigo, saudades de você! Estou meio sumidinha, meio não, completamente! Seu blog está muito bonito! E suas histórias (nem preciso dizer que amo!) estão cada vez mais hilárias! Beijos e bom findê para vc!!! :)

Blog do Beagle disse...

Ô dó!!!!!!!!! E ao final, qundo chegou ao destino deu-se conta que estava com os cabelos branquinhos e a roupa manchada de preto, cansado, ofegante e com dor nos braços. Geeeeeeeeeeente, que maldade! Bjkª. Elza

Unknown disse...

Jaqueline, mesmo com atraso, estou respondendo ao seu comentário para agradecer pelo carinho com que vc sempre me tratou. É de pessoas como vc que a gente precisa nessa blogosfera, para apoiar quem começa e passar a experiência aos novatos.

Unknown disse...

Elza, de fato dá pra ter dó do home, sá! Tb, quem mandou ser tão retardado, né?

Unknown disse...

Tadinho! Adorei o desenrolar da procissão. Nem sabia que existia essa formalidade: homens de um lado, mulhers de outro. Isso é ficção? Ai, já estou confundindo tudo. Mas tive pena do Pobrezinho. Que padre, hein?

Muito Bom este "causo"
Beijos

Mirze