10/08/2008

Namoro em Tempo de Frio

Zé Mané sai de Tabuí. Baile na roça. E arruma namorada. Fazendeirinha bem ajeitada, novinha ainda, toda limpinha e cheirosa. Moça muito distinta e recatada....Tantos predicados deixam o Zé na maior paixão.
- Se ocê quisé memo namorá ieu tem que falá com o pai.
O rapaz fica desanimado. Mas depois de alguns dias, várias noites sem dormir, conclui com seus botões:
- Ela é moça boa demais da conta. Vô lá resorvê o pobrema.
Mandou recado. Vestiu a melhor roupa, calçou botina gomeira e foi rever a paixão e enfrentar o velho, futuro sogro. Andou horas e horas até chegar ao destino. A família recebe bem o nosso Zé Mané. Velho pega na mão, bate nas costas, velha chama-o de meu filho, paixão fica segurando sua mão e as três irmãs se derramam em sorrisos. Tudo era ânimo. Os dois apaixonados combinam, num momento em que conseguiram ficar a sós, que a conversa de homem pra homem seria no dia seguinte, na hora do almoço. Tudo muito bem, tudo muito bom, noite chegou. Era junho. Tempo de frio. O Zé, como não previa passar a noite em casa alheia, nem uma blusa trouxera.
- Tô sentino frio não, gente! Sô assim memo, num sinto frio!
A desculpa não colava, mas o rapaz não queria dar o braço a torcer. O negócio era impressionar. Queria dar uma de macho e, no seu conceito, macho que era macho não sentia frio.
A moça mostra-lhe o quarto e leva-lhe cobertores.
- Não, amô! Carece disso não. Nem lençor eu uso! Durmo só de cueca!
Donzela fica corada ao ouvir essa palavra indecente.
- Mas assim cê intangue, bem!
- Que nada. Tiau, amô! Té manhã!
Zé Mané fica sem os cobertores, tão quentinhos. Tira a roupa e, para honrar a palavra, fica mesmo só de cueca esperando o sono chegar. Mas o frio tava brabo e ele, tremendo, não consegue pegar no sono. Rola pra lá e pra cá, com raiva da sua burrice, até que se lembra do monte de palha de feijão lá no terreiro da sala. Pula a janela e tafuia dentro do monte pra afugentar o frio que lhe entrava até os ossos. E, de fato, lá embaixo, tava tão quentinho, que ele dormiu sono profundo. Tão profundo que o dia amanheceu e ele nem tium. Continuou lá, todo encoberto, só com a ponta do nariz num buraco por onde entrava o ar. Lá fora, tudo gelou por causa da geada que chegara de madrugada.
O pai acordou, mãe também e as quatro filhas. Sol mal dava as caras.
- Bamo lá botá fogo na paia de feijão pra mode a gente esquentá, mininas? Chamou o pai.
E lá se foram e meteram fogo sem dó nem piedade na palha de feijão. O fogo rodeou todo o monte, pegando com certa dificuldade, pois estava meio úmido devido ao orvalho. Por isso o fumacê que começou a sair dali não tava no gibi. E a fumaça foi entranhando pro meio do monte e o calor do fogo também. O Zé Mané, ainda dormindo, começa a ficar prejudicado pela fumaça e pelo calor. Sufocado e suando, acorda. Sem entender nada, o instinto de sobrevivência avisa que ele tem que cair fora. Assustado, dá um pulo, fica de pé levantando cinza e fumaça e o fogo começa a chamuscar-lhe a pele. Zé Mané sai correndo empretecido, quase pelado, só de cueca vermelha, desbotada, levando junto um canudo de fumaça e fogo. As moças, cada uma mais santa e donzela que a outra, são pegas de surpresa e não entendem nada. Nem reconhecem o moço. E vendo aquela figura estranha e inesperada saindo do meio do fogo, caem de joelhos, prontas para rezar, pensando estar vendo coisas do outro mundo.
- É o demônio! - Gritou uma.
- É o capeta, mãe! - Gritou outra.
- Livrai-nos Deus, Nosso Senhor! - Berrou a mãe.
Zé Mané nem no quarto passou. Cheio de vergonha, ainda sem entender direito o acontecido, se mandou estrada a fora e só foi descobrir que estava nu ao entrar em Tabuí, vaiado por um bando de moleques.

4 comentários:

Jalul disse...

Era um Zé Mané. Um verdadeiro Zé Mané.
Eu, Prefeita de Tabuí fosse, mandaria dar uma bela surra na bunda chamuscada desse otário.
Meu abraço ao autor.

Grazielles disse...

Mais é um ze mané mesmo!

Dalinha Catunda disse...

Olá Eurico,
Você sempre nos alimentando dessa pureza do interior, com cheiro de terra molhada, com jeito de coisa assombrada, com gosto de ingenuidade
Carinhosamente,
Dalinha

Unknown disse...

Leila, Grazielle e Dalinha,
Obrigado pelo carinho e pelo comentário. Voltems empre.